ESPIRITUALIDADE TERESIANA



O Carisma Teresiano
Secretariado Geral para as Monjas - OCD – Roma~

   
O Concílio Vaticano II ao mencionar a vida religiosa enfatizou sua natureza carismática definida nos conselhos evangélicos “um dom divino que a Igreja recebeu do Senhor, e que com o favor dele se conserva para sempre” (LG 43). Esse dom, atribuído à ação vivificante e renovadora do Espírito Santo na Igreja, encontra sua expressão nestes homens e mulheres ilustres (LG 45) que tem dado a Igreja novas famílias religiosas e a essa mesma Igreja, guiada pelo Espírito, a autoridade para aprová-las (LG 45 e PC 1). Há razão, então, o Concílio mencionar explicitamente de "o espírito e os objetivos dos fundadores", que caracterizam a natureza de cada família religiosa na Igreja (PC 2,b e 7-10) e devem ser “conhecidos e observados”. O decreto Ecclesiae Sanctae (II,12-a; 16,3), fiel intérprete da doutrina conciliar, recomenda que a revisão da legislação pelos institutos enfatize “o espírito e os objetivos dos Fundadores". Seguindo essa inspiração doutrinal e essas normas da Igreja, a Ordem propõe nas Constituições das Carmelitas Descalças uma ampla meditação acerca do carisma teresiano que sintetiza por uma parte a experiência da fundação da Santa Madre, enraizada na tradição do Carmo, e destaca os principais valores do nosso carisma. Essa orientação corresponde perfeitamente ao que um documento da Santa Sé, após a publicação das Constituições, descreveu como "carisma". Com efeito, o Documento conjunto da Sagrada Congregação para os Religiosos e da Sagrada Congregação para os Bispos "Mutuae relationes" fornece uma descrição de encanto com estas palavras: "O carisma dos fundadores revela uma experiência do Espírito (Cfr. Ev. Test. n.11) transmitido aos discípulos para ser vivido, defendido, aprofundado e constantemente desenvolvido em consonância com o Corpo de Cristo" (Mutuae Relationes n. 11). Os números 4-11 das Constituições, contraído com os números 1-3 que tratam das origens do Carmelo e descrevem, em poucas palavras, a experiência do Espírito vivida por Santa Madre Teresa, registrada em seus escritos autobiográficos e doutrinais e confirmada pelos depoimentos das primeiras monjas.
Uma leitura atenta do texto das Constituições, confrontado com a abundância de notas de cada número, nos permitem avaliar a experiência espiritual que nasceu no Carmelo Teresiano. Esta exposição tem como objetivo orientar a leitura e interpretação dessas questões fundamentais das Constituições, que traçam o processo fundador e descrevem os valores intrínsecos do carisma.

I. O processo de Fundação

1. Preparação Providencial
A definição de carisma como "experiência do Espírito" nos permite ampliar a visão do processo de fundação e de se concentrar não só em fatos, mas sobre a pessoa que os tenha vivido.

Na verdade, qualquer consideração sobre a construção do carisma da nossa família religiosa na Igreja, parte da própria pessoa de Teresa de Jesus, escolhida por Deus para esta missão e, por Ele, transportada através da sua experiência espiritual a realização dos seus planos.  
O Concílio Vaticano II ao mencionar a vida religiosa enfatizou sua natureza carismática definida nos conselhos evangélicos “um dom divino que a Igreja recebeu do Senhor, e que com o favor dele se conserva para sempre” (LG 43). Esse dom, atribuído à ação vivificante e renovadora do Espírito Santo na Igreja, encontra sua expressão nestes homens e mulheres ilustres (LG 45) que tem dado a Igreja novas famílias religiosas e a essa mesma Igreja, guiada pelo Espírito, a autoridade para aprová-las (LG 45 e PC 1). Há razão, então, o Concílio mencionar explicitamente de "o espírito e os objetivos dos fundadores", que caracterizam a natureza de cada família religiosa na Igreja (PC 2,b e 7-10) e devem ser “conhecidos e observados”. O decreto Ecclesiae Sanctae (II,12-a; 16,3), fiel intérprete da doutrina conciliar, recomenda que a revisão da legislação pelos institutos enfatize “o espírito e os objetivos dos Fundadores". Seguindo essa inspiração doutrinal e essas normas da Igreja, a Ordem propõe nas Constituições das Carmelitas Descalças uma ampla meditação acerca do carisma teresiano que sintetiza por uma parte a experiência da fundação da Santa Madre, enraizada na tradição do Carmo, e destaca os principais valores do nosso carisma. Essa orientação corresponde perfeitamente ao que um documento da Santa Sé, após a publicação das Constituições, descreveu como "carisma". Com efeito, o Documento conjunto da Sagrada Congregação para os Religiosos e da Sagrada Congregação para os Bispos "Mutuae relationes" fornece uma descrição de encanto com estas palavras: "O carisma dos fundadores revela uma experiência do Espírito (Cfr. Ev. Test. n.11) transmitido aos discípulos para ser vivido, defendido, aprofundado e constantemente desenvolvido em consonância com o Corpo de Cristo" (Mutuae Relationes n. 11). Os números 4-11 das Constituições, contraído com os números 1-3 que tratam das origens do Carmelo e descrevem, em poucas palavras, a experiência do Espírito vivida por Santa Madre Teresa, registrada em seus escritos autobiográficos e doutrinais e confirmada pelos depoimentos das primeiras monjas. Uma leitura atenta do texto das Constituições, confrontado com a abundância de notas de cada número, nos permitem avaliar a experiência espiritual que nasceu no Carmelo Teresiano. Esta exposição tem como objetivo orientar a leitura e interpretação dessas questões fundamentais das Constituições, que traçam o processo fundador e descrevem os valores intrínsecos do carisma. 1. – Preparação Providencial A definição de carisma como "experiência do Espírito" nos permite ampliar a visão do processo de fundação e de se concentrar não só em fatos, mas sobre a pessoa que os tenha vivido. Na verdade, qualquer consideração sobre a construção do carisma da nossa família religiosa na Igreja, parte da própria pessoa de Teresa de Jesus, escolhida por Deus para esta missão e, por Ele, transportada através da sua experiência espiritual a realização dos seus planos.  
Sob essa perspectiva, podemos afirmar que o Livro da Vida, que nos dá a "história de graça" da nossa Santa Madre, é o núcleo espiritual que inicia a descrição do processo de fundação. Realmente, os capítulos 32-36, especificamente, que descrevem a história da fundação do São José e marcam as origens do Carmelo Teresiano, são a expressão de uma construção com graça cujo embrião deve ser procurado nos primeiros capítulos da autobiografia teresiana.
Embora neste momento temos de salientar, como fazem as Constituições, os momentos de fundação do carisma, temos de reconhecer a importância de todo o Livro da Vida para uma plena compreensão adequada do processo de fundação e, até mesmo, identificação com a experiência da Santa Madre para todos aqueles que receberam a graça de ser chamados por Deus a segui-lo.
Na realidade, a perspectiva providencial de toda a vida ,desde de pequena, nos capítulos dedicados a narrar sua vocação religiosa e suas experiências no Convento da Encarnação, a graça da conversão e da série de experiências místicas que a seguem neste momento decisivo, o seu encontro com Cristo, dilatação do coração pela graça da transverberação, a sensibilidade crescente pelo mistério da Igreja e da sua vida quotidiana constituem o "prólogo" e "preparação" da fundação de São José. O mesmo tratado sobre a oração (C.8 e 11/22) constitui a base do que será mais adiante a dedicação de Teresa e suas filhas no São José. Tem sido observado que o capítulo 8 da Vida é escrito e direcionado às irmãs, ao contrário de outros capítulos que são para os confessores; as últimas páginas da autobiografia nasceram na paz da casa em São José, entre "pouca e santa companhia" (40,22 V) e refletem a experiência do carisma relacionado com as definições anteriores. Devemos também notar o desejo da Santa que, embora o Livro da Vida não fosse publicado, não se deixou de manter os capítulos relativos à fundação do mosteiro de São José que para ela era "uma obra de Deus." No que diz respeito especificamente à vida religiosa carmelitana, não se pode compreender totalmente o tradicional estabelecido e a novidade do carisma surgido no mosteiro São José de Ávila, sem primeiro uma leitura atenta de tudo o que nos diz a Santa Madre, no Livro da Vida, sobre sua vocação religiosa (c.3, 5 -7), os primeiros anos de carmelita, sua experiência no Carmelo da Encarnação com a sua avaliação crítica e independente (V. 5-7, 13,8-9, 31,23-24).
Na verdade, Teresa fez uma experiência de vida religiosa carmelitana no mosteiro da Encarnação, foi sustentada com as fontes da espiritualidade do Carmelo e já respirava na atmosfera da liturgia e da religiosidade popular do mosteiro; a finura da sua visão e a sua abertura espiritual permitiram-lhe, além do que viu e viveu, voltar até as origens da Ordem em ligação perfeita com os altos ideais dos antigos Padres, até sentir o desejo de uma renovação da Ordem de Nossa Senhora. A partir dessas fontes e dessas preocupações também nasceu, como uma providencial preparação, o carisma de fundadora.
Além disso, é revelada, desde as primeiras páginas, a sua vontade de comunicar, a sua capacidade de espalhar aos outros, desde os primeiros anos de sua vida religiosa, seus ideais (cf. V.6 ,3-4), a sua posição inicial, como mestra de oração (cf. 7,13 V), revelam a personagem de Teresa providencialmente preparada para construir o grupo em torno dela.
Essa qualidade surge através de um teste de solidão que a faz iniciar a dissipação do locutório mundano e também a faz suspirar por um tipo de vida religiosa onde ajudar uns aos outros no serviço do Senhor seja uma lei de vida (cf. V 7, 20-22). Nesta história de amizade espiritual é que Teresa encontra canais de comunicação espiritual com os amigos que Deus lhe dá (“Os cinco que no presente amamos em Cristo”) (cf. V 16,7), e dentro de sua comunidade da Encarnação o grupo de irmãs que criam a atmosfera onde irá germinar a ideia de um novo mosteiro. É significativo que a Santa recorde, antes da famosa "noite" da Encarnação, em que a idéia de São José se formou: "como comunicava com algumas o que me ensinam, houve grande proveito" (V 32,9). Seu confessor, Pe. Ibáñez, escreveu a favor da influência espiritual de Teresa no seu mosteiro com estas palavras: “É tão grande utilização de sua alma com estas coisas, e a edificação que dá com seu exemplo que mais de quarenta freiras procuraram na sua casa grande “recordação”(BCM II, p. 131). Sem dúvida é preciso reconhecer o lugar de honra onde surgiu o providencial carisma, a série de graças místicas junto com a rápida e sobrenatural conversão da Santa Madre.
Com efeito, a graça da "nova vida" da sua conversão pessoal é a natureza da renovação interior, obra de Deus (cf. V 23, 1), segue a liberação emocional (cf. V 24, 5-7), as primeiras palavras de Cristo (cf. V 25), a promessa de ser para Teresa um livro vivo (cf. V 26,5), a visão do Ressuscitado (cf. V 27-28), a transverberação como experiência de infusão do amor que purifica e dilata a capacidade de amar (cf. V 29, 13-14), a consciência do mistério do mal personificado no diabo (cf. V 31).
Estamos, portanto, na plenitude da vida espiritual e experiências místicas. O nascimento do carisma teresiano surge da riqueza espiritual e da maturidade esponsal para a qual Cristo conduz Teresa e também tem, como veremos, um caráter místico. É Deus que inspira, fala, atua e está presente. É Deus que oferta este carisma a Teresa. A experiência da oração, do conhecimento do ideal e da realidade da vida carmelitana, a exigência de comunhão em Deus, a vivencia plena do carisma e da espiritualidade são as linhas que a Santa propõe em sua autobiografia como tantos córregos que fluem providencialmente na "hora de Deus" o momento em que a experiência Teresiana adquiriu uma dimensão eclesial especifica com a fundação do Carmelo de S. José e manifestou seu carisma de fundadora. Essas alusões à preparação providencial criam razão que ao breve resumo do número 4 das Constituições: “A origem da família Teresiana no Carmelo e o sentido de sua vocação na Igreja estão intimamente ligados à vida espiritual de Santa Teresa."

2.  A origem do Carisma (Const. n. 4)
A história da origem do mosteiro de São José está situada em uma continuidade de favores místicos. Uma leitura cuidadosa do texto teresiano em cinco longos capítulos dedicados a fundação desse mosteiro (V 32-36) reserva surpresas alegres. A essência da história como uma continuação do desenvolvimento de sua vida é marcada pela mesma convicção: Deus tem feito, ele tem sido o protagonista, a fundação de São José foi uma obra de Deus, uma história de agradecimento ininterrupto através das contradições da vida. Existe uma crença que caracteriza precisamente todo esse episódio como um verdadeiro carisma. Todos vieram de Deus.
Ele é amado e quem em feito. Teresa encontra-se no fundo de uma intervenção divina que salienta o caráter sobrenatural do que aconteceu. Estamos interessados em fixar a atenção, especialmente neste momento, em futuras fases e nos elementos primários que caracterizam a origem do carisma.

a) Preocupação e resposta de Teresa
O capítulo 32 da Vida há uma série de notas que preparam no coração de Teresa, de forma muito eficaz e próxima, a inspiração para fundar São José de Ávila, antes que seja Deus, que mande explicitamente.
- A visão do inferno (V 32,1-5) suscitou no coração de Teresa anseios apostólicos e desejos servir a Deus: “Isso também criou em mim uma grande compaixão pelas muitas almas que se condenam (em especial dos luteranos, que já eram, pelo batismo, membros da Igreja) e imenso ímpeto de salvar almas, pois tenho a impressão de que, para livrar uma só delas de aflições tão graves, eu enfrentaria muitas mortes"(Ib.6).
- Existe a preocupação pessoal que varia entre o desejo de responder a Deus com todas as forças, fazer penitência ou "desejava fugir das pessoas e afastar-me de uma vez por todas do mundo”(Ib.7-8).
- Ela prevê uma resposta inicial: "Pensava o que poderia fazer por Deus, pensei que a primeira coisa era seguir o chamamento que Sua Majestade me fizera para ser religiosa, respeitando a minha regra com a maior perfeição possível” Ib.9). A preocupação encontra, portanto, o caminho do realismo: ser perfeita religiosa Carmelita. Mas a situação do mosteiro e pessoal, a faz intuir que não será capaz de responder plenamente a Deus em tais circunstâncias, a Santa explica nessa mesma citação.
- A idéia que nasce da comunhão espiritual, abre um novo caminho: "Certa feita, estando em companhia de uma pessoa, disseram a mim e a outras que se quiséssemos ser monjas à maneira das Descalças, seria talvez possível fundar um mosteiro"(Ib.10). A ideia surgiu como uma continuidade daquilo que já está vivendo em sua cela na Encarnação. A ideia da nova casa vem da jovem Maria Ocampo, a futura Maria Batista, que lembrou o momento decisivo: “Um dia na cela de nossa Santa Madre Teresa de Jesus comentou-se sobre a reforma da regra que era mantida naquele mosteiro, que era de Nossa Senhora do Carmo, e se fizessem uns mosteiros a maneira de ermitão primitivo como no início desta Regra criada pelos nossos santos Padres, eu tenho que parar, gostando da conversa como se estivesse a ser tratado com muito mais, e Eu disse à Santa Madre, que eu ajudaria com um mil ducados para que começasse"(cf. Tomás da Cruz – Simeão da S.Família O.C.D., A Reforma Teresiana, Teresianum, Roma 1962, pp.210-211; citaremos este livro com as siglas RT).
- No entanto, continua a indecisão em Teresa que varia entre desejo e medo, enraizados na sua comunidade e na sua situação pessoal: "Eu, como o desejava, comecei a tratar disso...Mas eu, por outro lado, estando muito contente na casa em que estava, que me agradava muito, assim como a cela que ocupava, que muito me servia, ainda me detinha”.(Ib.10). É significativo o desfecho do encontro: "Contudo, combinamos de encomendar muito a Deus o nosso plano" (Ib. 10).

b) Vontade Divina
Na origem da fundação de São José é surpreendente constatar as intervenções de Deus, as suas palavras, suas indicações, as aparições de Cristo. Essa fonte sobrenatural, fortemente enfatizado por Teresa diz-nos que este é um carisma, uma graça de Deus para a Igreja. Vale lembrar que essas intervenções sublinham o interesse de Deus para a fundação do Carmelo Teresiano, alegam que é uma obra Dele e o responsabiliza pelos planos futuros.
- As primeiras palavras e promessas. Momento central do encanto é o fato narrado pela Santa: "Certo dia, depois da comunhão, Sua Majestade me ordenou expressamente que me dedicasse a esse empreendimento co todas as minhas forças, prometendo-me que o mosteiro não deixaria de ser feito e dizendo que ali seria muito bem-servido. Disse que devia ser dedicado a São José ..." (V. 32,11). É o próprio Senhor quem ordenou a fundação, o que garante a sua proteção e a ilumina com suas promessas de futuro de graça. Há as palavras do Senhor, transmitidas pela santa, como uma revelação de um projeto carinhoso de Deus, que pensou em cada detalhe, até no nome.
Prosseguem os detalhes da promessa: "Esse glorioso santo (São José) nos guardaria uma porta, e Nossa Senhora a outra; Cristo andaria ao nosso lado, e a casa seria uma estrela da qual sairia um grande resplendor..." (Ib. 11). Acentuamos essa “convivência” e proteção por parte da Virgem Maria e São José; especialmente na promessa: “que Cristo andaria conosco”, que atribui a fundação de São José o sabor de uma experiência da presença de Cristo no meio de seus seguidores, segundo a promessa evangélica: "Onde dois ou mais estiveram reunidos em meu nome, eu estou ai no meio deles" (M,20). Cristo garante para o novo mosteiro um futuro luminoso dentro da Igreja. Contra toda a aparência da reação reformista, as palavras do Senhor defendem a vida religiosa, mesmo com as dificuldades que Teresa conhecia do seu próprio mosteiro: "Além disso, embora as religiões estivessem relaxadas, eu não devia pensar que Ele era pouco servido nelas, pois o que seria do mundo se não houvesse religiosos?” (Ib.11).
Outras intervenções:
A partir desse momento o Senhor toma a frente com continuas intervenções: "Mas foram tantas vezes em que o senhor voltou a me falar disso, exibindo-me tantas cousas e razões, que eu via convincente Sua vontade." (V. 32,12). Em outra ocasião perante as dificuldades iniciais, Deus disse essas palavras tão importantes para Teresa:"Sua Majestade começou a me consolar e animar. Ele me disse que, através daquilo, eu veria o que tinham passado os santos fundadores..." (Ib. 14); Teresa também, portanto, deveria ser fundadora.
Deus muitas vezes lembra a ela que "Eu vou cumprir o que eu te prometi" (V. 26, 2). A cadeia de intervenções alonga-se (cf. V 32, 18; 33,3.8.10 e 12); É o Senhor que diz a Teresa que não obedeça à ordem no momento, e por isso sugere o caminho que pode conseguir a permissão de Roma, e reitera a fundação na pobreza absoluta (V. 35, 6 e 36, 20). Em meio a tempestade levantada pela fundação Ele garante: "Não sabes que sou poderoso? Que temes?" (V.36,16).

c) Obra da Virgem Maria
O carisma de Teresa é também um dom da Virgem Maria, Mãe e Advogada do Carmelo. Junto com o Senhor Maria participa nas mesmas esperanças e promessas acerca do novo mosteiro. Assim demonstra a graça mariana recebida por Santa Teresa (Provavelmente em 15 de agosto de 1561). A bela visão de Nossa Senhora e também São José pode ser considerada como uma espécie de investidura para que Teresa pudesse servir a Igreja e o Carmelo. (cf. V 33,14-16), recordamos as palavras da Virgem que são um eco das palavras de Cristo: "Dizendo-me que lhe dava muito contentamento ver-me servir ao glorioso São José e que eu estivesse certa de que o mosteiro se faria de acordo com o meu desejo, sendo o Senhor e eles dois muito bem-servidos ali. Eu não devia temer que nisso viesse a haver quebra, embora a obediência não fosse bem do meu gosto, porque eles nos guardariam, e o seu Filho já nos prometera andar ao nosso lado. Como sinal de verdade, ela me dava uma jóia" (Ib.14). Nessa delicada intervenção conjunta da Virgem e São José devem ser acrescentadas outras influências sobrenaturais, especialmente a de Santa Clara de Assis. (cf. V 33, 12-13).

d) A aprovação da Igreja
Dissipados os desafios da futura jurisdição do mosteiro, a pedido do Senhor, a Igreja, com sua autoridade de Roma, aprova com vários documentos sucessivos a fundação de São José de Ávila e dá a esse aval, o que garante o carisma eclesial como serviço de santidade na comunhão da Igreja universal. Em 7 de fevereiro de 1562, a Sagrada Penitencia assina o documento de fundação "Ex parte vestra" (Doc. em RT pp. 139-146), deixado providencialmente em Ávila em primeiro de julho quando a Santa regressava de Toledo por ordem do Senhor (cf. V 35,8 y 12; 36,1). A aceitação parte do Bispo garantindo a proteção da Igreja sobre a nova casa; A intervenção de São Pedro de Alcântara foi providencial (cf. V 36, 2). A esse primeiro documento romano tinha de seguir a pobreza absoluta para as "amadas filhas de Abadessa em cristo e monjas do mosteiro de São José de Ávila, da Ordem de Santa Maria do Monte Carmelo” (Doc.del 5-XII-1562 en RT, pp.150-151). Posteriormente, chegaria a permissão do Núncio apostólico para que Teresa de Ahumada pudesse residir em São José (Doc. 21-VIII-1564) e finalmente uma Bula de Pio IV "Cum a nobis" que confirma todos os documentos anteriores, nomeada pela primeira vez como “Teresa de Jesus” recebe a faculdade para fazer “regras e ordens” ( DOC 7-VII-1565 em RT, pp. 181-186). Teresa alude com devoção e confiança essa aprovação do Pontífice Romano que inclui a opção pela absoluta pobreza com estas palavras: "Não me tem custado poucos esforços estabelecer com toda a firmeza e autoridade do Santo Padre que não se aja senão assim e que nunca se tenham rendimentos" (V 33, 13). (Todos os documentos oficiais primitivos em Mon. Hist. carm. Ter., Documenta primigenia, I (1560-1577) pp. 22-23. 31-32. 43-47. 48-53).

e) Primeira descrição ideal
Na história do carisma teresiano tem particular importância uma carta da Santa Madre enviada a Quito, nos finais de 1561, dirigida a seu irmão Lorenzo de Cepeda, benfeitor providencial que da América proporciona os primeiros recursos econômicos para o novo mosteiro. Nessa carta Teresa trata idealmente as linhas mestras da nova vida com fortes características; São as primeiras pinceladas de um ideal que no coração e na mente da Santa vai tomando corpo. Aqui estão algumas das primeira instruções: "Eu não posso me furtar por ser inspiração de Deus...E fazer o que puder para realizar esta obra. Só lhe posso dizer que é fundar um mosteiro, onde há de haver só quinze monjas – sem se poder aumentar o número, com grandíssimo encerramento, assim de nunca saírem como de não verem senão com véu diante do rosto, fundadas em oração e mortificação" (Carta 23.XII.1561, 2). O nome da casa será “São José” ("Assim se há de chamar") e sua condição: “Enfim, ainda que pobre e pequena, tem lindas vistas e terreno" (Ib.3); um toque de pobreza, beleza, simplicidade e recolhimento na vida de oração. No que diz respeito as futuras moradoras, escreve: "Espero no Senhor que será para muita gloria sua, se nos permitir realizá-lo; e penso que sem falta assim fará, porque vão almas que bastam para dar grandíssimo exemplo: muito escolhidas, e dadas à humildade, penitência e oração (Ib.4).

f) A Fundação
A santa descreve com muitos detalhes a história da fundação de São José, a sua alegria em ver o Santíssimo Sacramento e a tomada de hábito das quatro primeiras descalças: "Para mim, foi como antegozar a glória ver instalado o Santíssimo sacramento e recebidas quatro órfãs pobres – porque não se exigia dote para aceitar candidatas – todas elas grandes servas de Deus ... e era uma obra que eu sabia ser para o serviço do Senhor e para honra do hábito de sua gloriosa Mãe. Deu-me também grande consolo ter feito o que Deus tanto me recomendara e ter dado a esta localidade mais uma Igreja – até então inexistente - dedicado ao meu glorioso pai São José. (V. 36,6). Esse é o resumo da série de razões que a levou a fundar São José.
Não vamos distrair em descrever todos os acontecimentos que se seguiram, especialmente a preocupação da Santa após a fundação - uma espécie de "noite escura" da fundadora – e a oposição que surgira em toda parte contra esta obra de Deus, pondo a prova a esperança e a confiança da Santa. Teresa quer demonstrar a sua narração minuciosa dos acontecimentos, o paradoxo de contradições humanas, mesmo as boas que não podem impedir o trabalho de Deus (cf. todo o cap. 36 de Vida).

g) Primícias de vida
O quadro das origens do carisma se completa perfeitamente com os testemunhos que a Santa Madre deixou-nos nos primeiros momentos de vida no São José os quais foram veículo de graça e de experiência de Deus, antes de uma intensa vida de oração. - É significativo o testemunho de Teresa quando relata o seu regresso ao mosteiro de São José após os acontecimentos que a tinham separado temporariamente das primeiras Descalças: "Quando fazia oração na igreja antes de entrar no mosteiro e estando quase em arroubo, vi Cristo que, com grande amor, me recebia e punha em mim uma coroa, agradecendo-me pelo que eu fizera por sua Mãe”(V. 36,24). O Senhor havia prometido andar entre as Descalças e recebe agora Teresa, em seu retorno. A presença mariana na fundação também tem sua expressão nas graças do início:"De outra vez, quando estavam todas no coro em oração depois das Completas, vi Nossa Senhora cercada de glória com um manto branco, debaixo do qual parecia amparar a todas nós. Percebi o elevado grau de gloria que o Senhor daria às religiosas desta casa” (Ib.).
- A atmosfera sobrenatural dos primeiros dias foi refletida nestas expressões: a casa
São José é "cantinho de Deus , pois assim a considero, esta casa em que sua majestade se compraz, como certa vez me disse, quando eu estava em oração , ao falar que esta casa era para Ele um paraíso de delícias" (V. 35, 12). As palavras do Senhor a Teresa evocam expressões bíblicas bem conhecidas da escolha do povo de Deus e a promessa de estabelecer morada com sua presença permanente (cf.Lev. 26,11; Ez. 37,27). A paz, o prazer, a suavidade do clima espiritual do novo mosteiro, tal como a descrição de Teresa em alguns textos característicos (cf. V 36, 25.29): “tudo assume grande suavidade”, "pois se vê muito bem que é tolerável e que é possível observar as práticas com traquilidade. A casa proporciona grande facilidade para que vivam em paz em paz as que quiserem fruir a sós de Cristo, seu Esposo. E isso é o que elas sempre devem querer: viver a sós apenas com ele e que não sejam mais que treze ..." (V.36,29).

- Nesta casa pobre Teresa escreve as últimas páginas do Livro da Vida (cf. V10,7 e 14,8), e onde encontrou um "Porto" depois de dois anos de tempestades. Para ela é um "cantinho fechado","porto seguro", onde está, “com pouca e santa companhia”; Há nessas frases uma espécie de antecipação escatológica: "Eu pareço de cima", "Eu acho que estou sonhando com o que vejo”; e no entanto, o desejo apostólico é forte: “Nenhuma importância dou ao que se possa falar ou saber de mim; isso vale muito menos do que o mínimo proveito que uma alma possa obter. Desde que estou aqui, quis o senhor que todos os meus desejos estejam voltados para isso"; por isso termina o Livro da Vida com estes sentimentos, dirigidos ao Pe. García de Toledo: "Assim vivo agora, senhor e padre meu. Suplique vossa mercê a Deus que me leve para Si ou me mostre como servi-Lo" (V. 40,21-23).

- O mesmo momento é descrito pela Santa no capítulo 1 das Fundações e bem resumido na conhecida expressão do Caminho de Perfeição 13,7: “Esta casa é um céu, que se pode haver na terra. Para quem se contenta só em agradar a Deus, não dando importância ao seu próprio prazer, leva-se uma vida muito boa". Duas testemunhas externas confirmam a descrição teresiana. A primeira vem através de São João da Cruz, referindo-se a Maria de Cristo, uma das primeiras descalças de São José: "Se comunicava muito com nosso Senhor em oração ... o Senhor falou a nossa Santa Madre Teresa de Jesus, dizendo que as aquelas doze religiosas eram a seus olhos doze flores muito agradáveis; que sua Majestade as tinha em sua mão" (cf. B.M.C. V, p.7 o bien en RT, p.208). O segundo testemunho é de Isabel de Santo Domingo que em uma relação inédita escreve sobre o início. "Se via Nosso Senhor que apresentava consolo e contentamento para todas que passavam com suavidade a pobreza". h) Retrospectiva
Ao chegar a Bula de Pio IV "Dilectis in Christo" de 17 de julho de 1565, Teresa olha para trás para contemplar todas as promessas que o Senhor cumpriu pontualmente e elogia a fidelidade dele em ter remediado suas imperfeições (cf. V 39,14). A narração da fundação do São José termina com observações características que refletem as promessas cumpridas de Deus e a estabilidade da vida nova que começa:

-A proliferação na Igreja: "Quando se começou a rezar o ofício, o povo começou a ter grande devoção com esta casa" (V 36,25)
- A proliferação vocacional: "Recebemos mais noviças” (Ib.) -O cessar das hostilidades : "O Senhor começou a mover os que mais nos tinha perseguido para que muito nos favorecessem e dessem esmolas..." (Ib.) -A prova de ser obra de Deus: "Dizendo ser convencidos de ser a casa obra de Deus, já que, com tanta oposição, Sua Majestade desejara que fosse adiante... (Ib.)
-O estabelecimento do ideal carmelitano: "Guardamos a Regra de Nossa Senhora do Carmo , sem mitigação , tal com redigiu...( Ib 26)
- O Clima de perfeição evangélica: "Sua preocupação é encontrar meios de avançar no serviço de Deus . O seu consolo ... Não é sua língua outra senão a oração ..."(Ib. 26 e 29).
- As promessas de Deus para o aumento e a fertilidade do mosteiro: "E espero no senhor que vá muito adiante o que começamos, como Sua Majestade me prometeu " (Ib. 27).
Então, Teresa viu a origem de uma graça de Deus para a Igreja da qual ela assistiu e queria ser também "evangelizadora", narradora das maravilhas feitas por Deus.

3. O desenvolvimento Eclesial (Const. 5)
O carisma teresiano, aberto à experiência do Espírito, vai receber novos impulsos: "Contribuir para o desenvolvimento e esclarecimento do projeto original, a progressiva experiência com que a Santa penetra e cerca a vida da Igreja, a sua dor, lágrimas, quebra da unidade e, especialmente, a profanação da Eucaristia e do sacerdócio" (Const. 5). Existe um desenvolvimento eclesial caracterizada pela experiência que contribui para uma orientação apostólica mais intensa na vida do Carmelo de S. José.

a) Orientação Apostólica inicial
Como vimos, o ideal apostólico e o serviço eclesial não são independentes aos primeiros momentos do carisma (cf. V. 32,6). O livro da Vida da Santa reflete diversas localizações sua consciência de Igreja e seu conhecimento da desunião que afastou do tronco da Igreja os Luteranos; Há alusões aos males da Igreja (cf. V 7,5; 13,10; 13,21) um desejo e abertura para servir o Senhor, na Igreja de Deus em particular através da oração (cf. V 15,7; 40,12). O serviço eclesial surge com o desejo ardente de Teresa nas últimas paginas do livro da Vida (cf. V 40,15): "Felizes as vidas que por isso se sacrificaram", ou seja, para servir a Deus "na grande necessidade que a Igreja apresenta agora"; especialmente nesse desejo expresso ao seu confessor: "Suplique a vossa mercê a Deus que me leve para Si ou me mostre como servi-lo ( Ib 23). Nas primeiras Relações se forma o ideal apostólico de serviço a Igreja: "Sinto em mim um desejo enorme, maior do que de costume, de que Deus tenha pessoas que O sirvam com todo o desapego e que em nada das coisas de cá se detenham – porque vejo que tudo é engano – em especial letrados; porque como vejo as grandes necessidades da Igreja, que muito me afligem, pois me parece equivoco ter pesar por outra coisa, nunca deixo de encomendá-los a Deus" (R 3,7); "Parece-me que me oporia sozinha contra todos os Luteranos, para lhes dá a entender seu erro. Sinto muito a perdição de tantas almas" (Ib. 8; cf. R 4,6.10).
No entanto, temos de atingir as páginas do Caminho de Perfeição para perceber com intensidade a experiência eclesial da Santa diante dos grandes males da Igreja e a referência aos "danos da França" e "estrago que fizeram estes luteranos” C 1,2). A forte comoção provocada por estes acontecimentos se traduzirá em resposta de fidelidade radical ao Evangelho e de orientação apostólica da vida do Carmelo que nasce.

b) Uma intensa experiência de Igreja
Quando Teresa começa a escrever o Caminho de Perfeição está madura em sua experiência de Igreja. As palavras que escreve, o sentimento com que expressa suas dores, o ardor com que propõe às monjas de São José o seu ideal eclesial e apostólico, revelam a intensidade de sua experiência interior; Há um sentimento espiritual estranho na Madre fundadora como se seu coração se sensibilizasse com todos os acontecimentos da Igreja.; esses mesmos sentimentos ela transmite com ardor a suas filhas como se nas mãos de poucas irmãs estivesse o futuro da Igreja. O ideal primeiro cresce e sua orientação eclesial esclarece-se para sempre. Uma atenta leitura dos capítulos 1 e 3 do Caminho de Perfeição nos dão uma medida exata desse desenvolvimento carismático que cria na Igreja a originalidade de uma vida inteiramente contemplativa dedicada a servir a Igreja desde a oração até a coerência de vida. Podemos notar alguns elementos característicos na exposição teresiana:

- "No início … nesse tempo".
A Santa indica claramente a evolução que ocorreu em sua vida desde o primeiro momento que nasce a idéia de fundar São José até a experiência eclesial posterior. Não é fácil determinar o momento exato que o coração da Santa produz essa intensa vivência dos males da Igreja. Em 1562 se intensificam as guerras religiosas na França entre Católicos e Huguenots. A notícia chega alarmar o Concílio de Trento e Fellipe II a transmite aos mosteiros de Castela. Teresa tem estado envolvida em toda essa conscientização e as suas palavras correspondem à descrição dos fatos dos documentos da época.
- "Os danos e estragos causados na França pelos Luteranos". As palavras usadas pela santa revelam sua percepção dos acontecimentos como um drama da Igreja, com toda a dureza de suas palavras chama os Luteranos: “esta seita infeliz” (C 1, 2); Contempla a situação dramática da Igreja: "O mundo está sendo tomado pelo fogo; querem voltar a condenar Cristo (...) pretendem derrubar sua Igreja..." (Ib.5). Existe para Teresa uma identificação entre Cristo e a Igreja, pois a Igreja é Cristo presente na terra; Essa identificação é mais real, quando olha a Eucaristia e as profanações que contam a ela: "Seja tão pouco estimado pelos hereges que hoje desrespeitam o Santíssimo Sacramento, tirando-lhe sua morada e destruindo Igrejas" (C 3,8). Noutra passagem Teresa resume as noticias com essa descrição: "tão grande mal e desacato que se manifestam entre os luteranos nos lugares onde estava o Santíssimo Sacramento: igrejas destruídas, tantos sacerdotes perdidos, sacramentos banidos” C 35, 3) . A essa percepção dos acontecimentos se acrescenta sua intensa participação com o coração e todos os seus sentimentos: "Dão-me grande fadiga" (C 1, 2); "Chorava com o Senhor e Lhe suplicava que corrigisse tanto mal” (Ib.); "Não me deixa de quebrar o coração ver tantas almas que se perdem” (Ib. 4).
- A resposta de Santa Teresa.
A comoção interna e a intensidade da oração não são suficientes. Teresa procurando maneiras de servir a Igreja. Tantos são os desejos dela: "Eu tive a impressão de que daria mil vidas para salvar uma só alma das muitas que ali se perdiam" (C 1, 2); Como em outras ocasiões emerge em Teresa sua vocação ao martírio para o serviço de Deus e da Igreja para o bem das almas (cf. V 32,6, 33,5, 4,6 R). Mas suas possibilidades são limitadas : "E vendo-me mulher ruim e impossibilitada de trabalhar como gostaria para servir o Senhor" (C 1,2). Sua condição de mulher e monja, a impossibilitava de dar a Deus resposta que ela queria . Daí a resposta providencial, semelhante a que sentiu no início (cf.V 32,9), mas desta vez em companhia de suas monjas: "Decidi-me a fazer o pouco que posso: seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição e ver que essas poucas irmãs que aqui estão fizessem o mesmo” (C 1,2) .
-"Tais são": oração e vida.
Teresa de Jesus elabora uma fórmula de vida consagrada ao serviço da Igreja com uma oração fervorosa e incessante pelo Corpo Místico de Cristo, pelos Sacerdotes e Letrados “defensores da Igreja”, e apoiada por uma vida autêntica, por um grande ideal que Santa Teresa exalta em diversas citações (cf. C 1,2; 3,1.2.5; 4,1). Este é o "emprego" do Carmelo teresiano: vida e oração. Esse é um apelo urgente:"Ajudai-me a suplicar isso ao Senhor, pois foi com esse fim que Ele vos reuniu aqui. Essa é a vossa vocação; esses devem ser vossos cuidados e desejos; empregai aqui vossas lagrimas e para isso dirigi vossos pedidos" (C 1,5); "todas ocupadas em oração pelos defensores da Igreja..." (Ib. 2). Essa é a exortação à vida e a oração que Teresa faz em todo o capítulo 3 quando de desenvolve o tema do "grupo escolhido" comprometido com Deus na vida evangélica e em intercessão constante para a Igreja e seus melhores servidores. Este texto Teresa trás as exortações anteriores e se faz orante e intercessora da Igreja . (cf. C 3,7-8) e termina com a conhecida defesa da vida carmelitana e sua orientação eclesial, escrita com letra de fogo: "Quando as vossas orações, desejos, disciplinas e jejuns não estiverem voltados para isso de que falo, tende certeza de que não alcançais nem cumpris o objetivo para o qual o Senhor nos reuniu aqui" (Ib. 10).
- "Uma grande organização".
O ideal traçado nos primeiros capítulos se converte numa estrutura interna da vida e de pedagogia do Carmelo Teresiano como a Santa indica ao longo Caminho de Perfeição. Assim a Santa abre o capítulo 4: "Já vistes, filhas, o grande empreendimento a que desejamos nos dedicar. Como devemos de ser para que, aos olhos de Deus e do mundo, não sejamos consideradas muito atrevidas?” Oração e vida são as palavras chaves do ideal teresiano: uma vida de silêncio, austeridade, comunhão, desapego, pobreza e humildade, como indicam as virtudes que a Santa propõe nos primeiros capítulos do Caminho de Perfeição (C 4-15). Uma vida de contemplação, segundo o conceito teresiano (C 16-18), e determina a vocação, a oração e a contemplação como sua pedagogia prática e suas exigências vitais, tal como a Santa Madre expõe na terceira parte do Caminho de Perfeição (C.19-42).
c) O testemunho das primeiras Descalças
Podemos recordar como as primeiras descalças reconheceram a herança e a transmitiram, especialmente, nos processos de Beatificação e Canonização este momento único caracteriza o desenvolvimento do carisma. Dos muitos testemunhos selecionamos alguns (cf. en RT pp. 268-326).

- Isabel de Santo Domingo declara: "Esta testemunha também sabe que este era o principal objetivo e motivo que guiou a Santa Madre nesta fundação: porque nos avisos e práticas que a Santa fez a suas religiosas, lhes disse que não estava em conformidade com a sua vocação e instituição, se não cuidassem muito dos exercícios de oração e de confiar a nosso Senhor todas as necessidades da Igreja. E que além disso também sabe que muitas heresias surgiram na França, Holanda, Alemanha, Inglaterra e outros reinos, nos quais os hereges tomaram as igrejas e mosteiros, ouviu dizer muitas vezes que a Santa Madre, que tinha grande anseio que em tempos de tanto trabalho, Nosso Senhor fosse servido e gostaria que edificassem em muitas cidades e reinos outras casas e igrejas onde o Santíssimo Sacramento pudesse ser respeitado e reverenciado.” (BMC 19, 470).
- Ana dos Anjos disse: "Sabe que a Santa Madre teve a principal intenção nesta fundação, como nas outras, de ajudar a Igreja Católica com as suas orações. Pelo que ouviu da Madre Ana de São Bartolomeu, quando uma religiosa não tem muita inclinação ao bem da Igreja e da conversão das almas, por outro lado se a visse muito penitente noutros exercícios de virtude excessiva a tinha como oculta e pouco segura." (BMC 19,557).
- Maria de São José pontua: "Esta testemunha sabe com que motivo Nosso Senhor moveu Madre Teresa a fundar estes mosteiros com o rigor da primeira Regra do Carmo. O motivo foi se opor aos primeiros hereges franceses, em particular pois, como mulher não podia se opor a eles com sermões ... A Madre Teresa se colocou , com todas as forças, a fundar e reformar estes mosteiros no lugar daqueles que eram destruídos na França pelos hereges..." (BMC 18,489). E Ana de Jesus (Lobera) recorda : Ela queria que "Houvesse pessoas que com perfeição servisse a Deus e pedisse solução para a Igreja, o que muito a afligia era ver a perseguição dos hereges e os templos destruídos; e por isso o sofrimento era para a realização de desses mosteiros" (Ib. 463-464).
Todos estes depoimentos confirmam a grande intuição Teresiana, o seu trabalho inovador no serviço da Igreja que na sua linguagem muitas vezes marcado com características de "batalha espiritual”: "Não vos incomodeis com a redução das penas quando se trata de servir mais àquele que tanto sofreu por nós" (C 3,6). Na realidade se trata de uma violência interior que provoca a perfeição evangélica que se propaga na vida, no mais a dedicação total a oração no serviço da Igreja. É bela a intuição Teresiana que suas monjas, como os contemplativos, levam nesta luta a bandeira da perfeição, tenham na Igreja um alto ideal de vida cristã para encorajar a todos em sua fidelidade ao Evangelho. São as protetoras da Igreja. (cf. C2,8; 18,5).
4. – Plenitude Missionária (Const. 6)
"A plenitude da vocação do Carmelo Teresiano é fruto da experiência que iluminou a Santa Madre acerca do mistério daqueles membros que esperavam ser agregados ao Corpo místico de Cristo; dessa forma sua alma se abriu a contemplação de um vasto horizonte missionário(Const. 6).Uma nova experiência é para continuar a alargar o horizonte eclesial da Santa Madre.
O dinamismo eclesial do seu coração que envolve também as monjas de São José, se revela neste breve trecho do capítulo 1 das Fundações: "Eu servia ao Senhor com minhas pobres orações e procurava que as irmãs fizessem o mesmo e valorizassem muito o bem das almas e o progresso da sua Igreja; Quem com elas se relacionavam saía edificado. E nisso se embebiam os meus grandes desejos" (F 1, 6) . A resposta de Deus chega com a visita do Pe. Alonso Maldonado, franciscano missionário, que vinha do México, nova Espanha, para colocar ante o rei e o papa a causa dos índios da América. A visita aconteceu no Verão 1566. Nas palavras do fogoso missionário tinha não só uma declaração sobre "a muitos milhões de almas que se perdiam devido à falta de doutrina"; fazia também críticas e reprovações aos conquistadores. A impressão que estas palavras causaram a Santa Teresa é semelhante que foi vivida antes no panorama de divisão dos cristãos na Europa: "Sobreveio-me uma profunda tristeza, e fiquei quase fora de mim, diante da perdição e tantas almas; Recolhi-me numa capela e , coberta de lágrimas, clamei a Nosso Senhor..." (F 1,7). É significativo o gesto de se retirar a uma capela para aliviar sua dor em oração e suplica onde grita e clama pela salvação das almas. Este trecho renova suas ânsias apostólicas e seus desejos para servir ao Senhor pelo bem de toda a humanidade: "Senti grande inveja dos que, por amor a Deus, podiam dedicar-se à salvação das almas, mesmo em meio a mil mortes ..."; e revela sua inclinação natural, dada por Deus, para o bem do próximo: "Deus me deu essa inclinação, já que, acredito eu, Ele valoriza mais o esforço e a oração para ganhamos para Ele uma alma, por Sua misericórdia, do que todos os serviços que Lhe possamos prestar" (F 1,7).
A resposta do Senhor não era esperada. Novamente, como no principio da fundação de São José, têm uma intervenção pessoal do Senhor com as palavras de esperança e promessa:"estando eu preocupada com essa angustia, certa noite Nosso Senhor me apareceu, como costumava. Demonstrando muito amor por mim, e querendo consolar-me, disse-me: Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas" (Ib. 8).
A visita do geral da Ordem, Pe. Rubeo, na primavera de 1567 foi a ocasião para que Teresa abrisse sua alma, suas ânsias apostólicas e seus desejos que já vislumbrava a fundação de mosteiros de Carmelitas descalça (cf. F 2,4-7). As ânsias de Teresa longo encontraram em São João da Cruz total cumprimento (F 3,17).
Não é necessário, nesta fase, recolher minuciosamente toda a história da expansão e subseqüente expressão do carisma Teresiano.
As constituições resumem essa fase com estas palavras : "À luz destas perspectivas da Igreja, o espírito apostólico da Santa atinge a sua plena manifestação; nasce em seu coração o propósito de ampliar a família das primeiras Carmelitas Descalças e de estender sua obra, fundando os Carmelitas Descalços, para que participando do mesmo espírito, ajudem as monjas a viver a vocação comum e sirvam a Igreja com a oração e a atividade apostólica" (Const. 6). Essas palavras expressam a unidade do carisma e da Ordem e expressa a fonte comum de que nasceu a reforma teresiana . Isabel de São Domingo, com sua habitual fidelidade, expressa assim o pensamento de Santa Teresa ao dizer que "desejava muito que houvesse religiosos Carmelitas Descalços para que empenhados com precaução nos exercícios de oração e contemplação e em pregar e confessar, porque esses exercícios seriam muito proveitosos para a Igreja de Deus" (BMC 19, 470) .
II- O ponto Jurídico e os valores espirituais do Carisma
O processo de fundação, cujos passos tentamos descrever seguindo as constituições, enriquece o carisma Teresiana com um conjunto de valores espirituais sobre as quais irá girar o ideal da vida das Carmelitas Descalças.
Esses valores tem sinal jurídico na Regra Primitiva e nas Constituições teresianas, mas são expressos com outros detalhes e riquezas nos escritos da Madre Fundadora, em seus conselhos e práticas, no seu testemunho e recordação das primeiras descalças.
1. O marco jurídico
No final da história da fundação de São José, Teresa de Jesus proclama orgulhosamente: "Guardamos a Regra de Nossa Senhora do Carmo, sem mitigação, tal como a redigiu Frei Hugo, cardeal de Santa Sabina, em 1248, no quinto ano do pontificado do Papa Inocêncio IV." (V 36, 26) . Em seguida refere-se à complementação da legislação: "Dedicando-se a outras austeridades que julgamos necessárias para cumprir a Regra com mais perfeição " (V 36,27). Estas são as Constituições Teresianas, em continuidade com a Legislação da Ordem e com a novidade impressa pela Madre no Carmelo e formam as leis básicas da vida no mosteiro São José.
Para isso ela já tinha recebido permissão no Breve de fundação e essas Constituições parece fazer referência aos primeiros capítulos do Caminho de Perfeição.(CE 5,1; 6,1; C 4,1.4).

2. Os valores essenciais
Os números 7-11 das Constituições descrevem, em síntese, valores ou núcleos de valores espirituais que constituem o carisma Teresiano, na sua primeira formulação. Se trata de um primeiro resumo dos elementos do carisma que são apresentados em capítulos subsequentes com mais precisão e detalhe. Basta, portanto, neste ponto uma breve descrição desses valores essenciais agrupados em torno de cinco núcleos principais.

A. Os valores da tradição Carmelitana
"Ao realizar seu trabalho, a Santa quis assegurar fielmente a continuidade do Carmelo" (Const. 7). Essa simples expressão nos ajuda a compreender que o Carmelo Teresiano está fundado sobre os valores essenciais da Ordem que Teresa assume, renova e enriquece com sua experiência pessoal da vida Carmelitana.
Estes valores são essencialmente:
- O princípio da Regra e do seu espírito, especialmente o princípio fundamental da oração, solidão, do eremitismo ideal, do trabalho manual e de outros valores contidos na Regra primitiva que são a austeridade, a penitência e o princípio da pobreza absoluta (cf. V 35,2-3;36,26-27; C 4,2.9; 21.10).
- O caráter mariano da Ordem que se reflete posteriormente na vida de serviço de Nossa Senhora, de devoção terna e filial, de imitação das virtudes de Maria (cf. V 36,6.28; C 3,5.8;13,3; M III 1, 3 etc.); É a devoção que Teresa enriquece com sua experiência .
- A comunhão espiritual e a continuidade da linhagem dos grandes Padres do Carmelo, considerados como modelos de solidão, pobreza e contemplação (C 2,7; 11,4; M V 1,2; F 14,4.5; Cons. 32). Teresa repete com frequencia a palavra que indica a "memória" dos fatos e personagens do princípio da Ordem: "lembre-se os nossos santos Padres do passado" e se considera "descendente" desta "casta" espiritual do Carmelo.

B. A orientação contemplativa
O número 10 das Constituições indica o caráter eminentemente contemplativo e teológico da vocação carmelitana. A oração é a base da Regra e a insistência nas virtudes teologais é também característica deste precioso texto primitivo da espiritualidade do Carmelo,
Teresa de Jesus deu a oração todos os sentidos da sua própria experiência contemplativa e mística. Por isso temos que salientá-la como núcleo central dos valores:

- A oração como a amizade com Deus, aberta por outro lado a todas as possibilidades e exigências de Comunhão com Deus; esse é o caminho da oração que Santa Teresa traça no Caminho da Perfeição e Castelo Interior como uma manifestação de sua própria experiência espiritual (cf. V 8,5, Caminho e Castelo Interior, passim);
- A dedicação ao exercício da oração como um momento culminante da vida pessoal e
Comunitária e valor supremo da hierarquia que as comanda em todos os outros aspectos da vida (C 17,1-2;18,4; 21,10; Cons 2 e 7);
- O sentido da vida apostólica e do exercício da oração, como forma própria de serviço contemplativo na Igreja (C 1 e 3).

C. O seguimento de Cristo
A resposta teresiana às inspirações de Deus se traduz, desde o início, no evangelho: "Seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição" (C 1,2). Existe uma forte exigência de seguir a Cristo, que se traduz no carisma Teresiano com várias nuances:
-o significado da vida religiosa contemplativa como uma experiência semelhante à dos Apóstolos, juntamente com Cristo; Daí a forte expressão da comunidade: "Pequeno Colégio
Cristo" (CE 20,1), ou a identificação evangélica com a casa de Betânia, morada de Cristo (C 17,5-6);
- A abertura aos valores evangélicos essenciais na vida religiosa: pobreza, amor ao próximo, desapego como abnegação evangélica, humildade, o caminho da cruz; são os pilares do ascetismo Teresiano e regra para o seguimento de Cristo (C passim);
- A imitação de Cristo na atitude essencial de modelo e mestre de oração (cf. C, 24,4) na solidão e no convite para rezar com ele, como um mestre a quem devemos ouvir e seguir, já que ele ensina sem ruído de palavras (cf. C 24,5; 26,10; 27 y ss.).

D. O sen
Espiritualidade do Carmelo Descalço
A reforma introduzida por Teresa e João da Cruz quer ser uma superior e quanto delicada fusão entre o ideal contemplativo, próprio dos primeiros eremitas do Monte Carmelo, e o ideal apostólico que animou profundamente os dois Santos Reformadores. Esta admirável síntese espiritual pode ser esquematizada nos seguintes binômios:
• Intensa busca de Deus, que busca o homem, e grande atenção ao homem, sedento de Deus.
• Comunhão com Deus, no seguimento do Cristo, e comunhão com a Igreja, do Cristo seguidora.
• Repouso do ânimo na prática da oração e esforço ascético de purificação.
• Quietude em Deus e inquietude pela salvação do mundo.
• Gosto pelas coisas espirituais e sentido do concreto.
• Solidão, silêncio, retiro e zelo pelas almas, doutrina universal, impulso missionário.
A espiritualidade do Carmelo se embasa sobre a doutrina de Teresa de Jesus e de João da Cruz, proclamados Doutores da Igreja, e é unanemente reconhecida como o suporte fundamental da teologia ascética e mística. Esta doutrina, que toma o nome de Escola Teresiana, foi sucessivamente enriquecida pela experiência e pelos escritos de outras figuras carmelitanas, como Teresa do Menino Jesus (desde 1997 Doutora da Igreja), Elisabete da Trindade e Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein). Característico da espiritualidade carmelitana é o acentuado cristocentrismo. No coração da vida espiritual resplende a figura de Cristo, que a alma busca por meio das virtudes teologais (fé, esperança e amor) e ascéticas (humildade, caridade e desapego), tomando o caminho da oração amorosa.
Desta espiritualidade profundamente mística e corajosamente ascética floresce, desde o século XVII, o ideal missionário. Basta pensar que a primeira Congregação de Propaganda Fidei (1600) foi em grande parte obra dos Carmelitas Descalços, e teve a notável influência do grande missionário espanhol Fr. Tomás de Jesus. Os primeiros missionários italianos estiveram na Pérsia (atual Irã e Iraque - 1604) e em seguida fundaram em Malta, nas Índias, em Moçambique e Madagascar, na China e no Extremo Oriente.
A condição do homem segundo S.J. da Cruz
Textos escolhidos
1Subida 15, 1 - A condição do homem após o pecado original

Oh ditosa ventura!
Saí sem ser notada
Já minha casa estando sossegada.

1 – “ A alma, para expressar-se, toma por metáfora o miserável estado do cativeiro; quem dele consegue escapar sem estorvo nenhum dos carcereiros tem por “ditosa ventura” a sua libertação. Porque a alma. Depois do pecado original, está verdadeiramente como cativa neste corpo de morte, sujeita às paixões e apetites naturais; eis a razão de considerar “ditosa ventura” o haver “saído sem ser notada”, fugindo ao cerco e sujeição dos mesmos, isto é, sem que eles a tenham podido impedir ou deter”.

Ditos de Luz e Amor 26 – Oração da Alma Enamorada - Com a Encarnação Deus redime o homem e o eleva

“...Quem se poderá libertar dos modos e termos baixos se não o levantas tu a ti em pureza de amor, Deus meu? Como se elevará a ti o homem, gerado e criado em torpezas, se não o levantares tu, Senhor, com a mão com que o fizeste?...”
Cântico Espiritual 23, 2-5 - O homem redimido pela árvore da cruz
2 – “Declara o Esposo à alma, mesta canção, o admirável modo e plano que usou para a remir e desposar com ele, servindo-se dos próprios meios que haviam causado a ruína e a corrupção da natureza humana; pois assim como por meio da árvore proibida no paraíso foi essa natureza estragada e perdida por Adão, assim na árvore da cruz foi remida e reparada, dando-lhe ele ali a mão de sua graça e misericórdia mediante sua paixão e morte, e firmando no alto da cruz a parte que havia sido destruída entre Deus e os homens, em conseqüência do pecado original. Diz então:
Sob o pé da macieira
3 – Isto é, sob a graça da árvore da cruz, simbolizada aqui pela macieira, onde o Filho de Deus remiu, e, conseqüentemente, desposou consigo a natureza humana, e, portanto, cada alma, concedendo-lhe sua graça e penhores, para este fim, na cruz. Esta é a razão de dizer:

Ali comigo foste desposada,
Ai te dei a mão

4 – Querendo significar: a mão de meu favor e ajuda, levantando-te de teu estado miserável à minha companhia e desposório.

E foste renovada,
Onde a primeira mãe foi violada

5 – tua mãe, a natureza humana, foi violada, de fato, em teus primeiros pais, debaixo da árvore; e também tu, ali debaixo da árvore da cruz, foste reparada. Se, pois, tua mãe, sob a árvore, te deu a morte, eu, sob a árvore da cruz, dei-te a vida. A este teor vai Deus descobrindo à alma as ordenações e disposições de sua sabedoria, mostrando-lhe como de modo tão sábio e formoso sabe ele tirar dos males bens; e, assim, aquilo mesmo que foi causa de tanto mal soube transformar em maior bem...”
Determinada Determinação
Jesus Castellano, ocd
Na ascese teresiana goza um papel importante a atitude decidida e totalitária de entrega a Deus. Teresa a chama “determinada determinação”, com uma frase muito sua na qual quis realçar a fortaleza e a totalidade da entrega a Deus. “Determinar-se” é começar uma nova vida; “determinada determinação” ‘’é encurtar as distâncias e fazer de tudo para não voltar atrás; é fazer uma “opção fundamental” por Cristo, como agora diremos.

A palavra-chave aparece com força na experiência teresiana nos momentos cruciais de sua vida; e a aplica também em sua pedagogia. Momento de conversão que a santa identifica com a vontade de empreender o caminho da oração: “Falando agora dos
começam a ser servos do amor (que não me parece outra coisa além de nos determinarmos a seguir por este caminho ao que tanto nos amou” (V 11,1); “Pois no princípio está a maior dificuldade dos que estão determinados a buscar este bem e a realizar este empreendimento”(ib. 5). A tensão aumenta em uma passagem polêmica do Caminho de Perfeição em que a santa defende o que constitui a essência de sua vida e de seu Carmelo, a oração: “Não vos espanteis, filhas, com as muitas coisas que é necessário considerar para iniciar esta viagem divina, que constitui a via régia para o céu... Voltando agora aos que desejam seguir por ele e não parar até o fim, que é chegar a beber dessa água de vida, como devem começar? Digo que importa muito, ter uma grande e muito decidida determinação de não parar enquanto não alcançar a meta, surja o que surgir, aconteça o que acontecer, sofra-se o que sofrer, murmure quem murmurar, mesmo que não se tenham forças para prosseguir, mesmo que se morra no caminho ou não suporte os padecimentos que nele há, ainda que o mundo venha abaixo...” (C 21, 1-2).

Trata-se de uma atitude do momento da conversão porém que se manifesta em uma condição normal de vida espiritual até alcançar os mesmo cumes da santidade. Quanto mais aparecem as dificuldades, maior fortaleza se requer. Tem a beleza do risco assumido generosamente e do compromisso totalitário da entrega. Com essa atitude de base tem o espiritual garantida a vitória sobre o demônio e percorrida boa parte do caminho: “o demônio se afastará depressa se a vir com grande determinação de não voltar às primeiras moradas, preferindo a isso perder a vida, o descanso e tudo o que ele lhe oferece. Que seja viril... determine-se com firmeza: vai pelejar com todos os demônios e não melhores armas do que as da cruz” (1M 1, 6); “a alma que neste caminho da oração mental, começa a caminhar com determinação... tem andado boa parte do caminho” (V 11, 13). Contando desde o início da vida espiritual com a presença da cruz, a alma sabe o que escolhe nessa determinada determinação que terá de renovar constantemente: “... É fundamental que a alma... decida desde o início seguir com determinação, e sem querer consolações, o caminho da cruz. O Senhor revelou ser essa a trilha da perfeição ao dizer: “Toma a tua cruz e segue-me”. Ele é o nosso modelo...” (V 15, 13).

Nos encontramos na encruzilhada de uma escolha totalitária de Deus que não admite meias medidas, ele respeita nossa liberdade, porém, sua entrega está condicionada pelo radicalismo de nossa opção por ele: “Tudo reside em nos entregar a Ele com toda a determinação, deixando o palácio à sua Vontade, para que Ele ponha e tire coisas dele como se fosse propriedade sua. E Sua Majestade tem razão; não lhe neguemos o que nos pede. E como não pretende forçar a nossa vontade, Ele recebe o que lhe damos, mas não se entrega de todo enquanto não nos damos a Ele por inteiro” (C 28, 12).

Fonte; Jesus CASTELLANO. Espiritualidade Teresiana, In: AA. VV. Introduccion a la lectura de Santa Teresa. EDE, Madrid 1978, p.181-182.
O amor e o serviço ao próximo
... na espiritualidade dos místicos carmelitas
Por Fr. Maximiliano Herraiz, ocd 
        
         A relação de amor que gera atitudes de serviço aos irmãos é um traço essencial do relacionamento com Deus. Encontrar-se com o Deus que é Amor é topar com um Deus que vem ao nosso encontro para nos servir, sempre, e, de forma definitiva, em seu Filho Jesus Cristo. Por isso o caminho de união com Deus é caminho de união com os irmãos. Trata-se de um único processo. O "eu" amante é um, que se orienta em várias direções. A experiência e a palavra de nossos Santos Padres Carmelitas é rica e abundante, materialmente mais ampla em Teresa de Jesus.
         Para falar do serviço do próximo temos que começar pela firmeza nas relações com Ele. "Se não é nascendo da raiz do amor de Deus, não chegaremos a ter com perfeição a com o próximo" (5M 3,9). Vale aqui também o princípio: "Não temos que dar se antes não o tivermos recebido" (C 32,13). João da Cruz também expressa a mesma idéia: "os bens não vão do homem a Deus, mas de Deus ao homem" (2N 16,5). Além disso tudo o que nós recebemos nos é dado para ser doado no modo em que se nos dão (cf. Ch. 3,78). E o bem supremo que recebemos de Deus é o amor. Portanto, sem esta firme experiência do amor de Deus, o serviço ao próximo pode ficar comprometido. Então entendemos porque às vezes Santa Teresa chama a atenção para não se precipitar no serviço apostólico que, sem a devida maturidade, pode ser prejudicial ao mesmo serviço e aos demais. Ela está convencida de que nós fazemos o bem aos outros na medida e da qualidade do nosso amor. Daí a prudência: "não tem que sair ao combate, mas deve fartar-se em defender-se" (V.19,15; 5M 4,5).
         Para nossos santos o amor é que dá valor a tudo, na linha do apóstolo Paulo. "Deus não se serve de outra coisa senão de amor" (C 28,1), afirma S. João da Cruz. Para Santa Teresa não é o que se faz que é importante, mas com que amor se vive e se trabalha, é o que serve à construção do Reino de Deus: "Não façamos torres sem fundamento, porque o Senhor não olha tanto a grandeza das obras, mas o amor com que são feitas" (7M).
         Mas como adquirir este amor? (F5,3). "Para graças tão grandes... a porta é a oração" (V.8,9). Foi ela que "me fez entender que coisa era amar" (V.6,4). Em Fundações 5, ela responde: "determinando-se a obrar e padecer, e fazê-lo quando se oferece". Trabalhar e padecer, ou seja, servir e amar.
         Santa Teresa vai aos poucos entendendo o valor das obras, do serviço e da caridade. O que antes ela rechaçava, o tanto trabalhar chamado por ela de "barafunda", realidade de dispersão, confusa, sem centração e recolhimento, passou a ser visto por ela como um caminho de santificação e união com Deus, pois uma alma unida a Ele não precisa preocupar-se em encontrar caminhos e modos de viver, pois sua vontade já é dele (cf. F.5,6).
         A oração tem uma função extraordinária: a de fortalecer a pessoa para servir aos demais na superação de seus egoísmos. E se estar com Deus é bom, amá-lo, no modo como ele nos exige, e as circunstâncias no-lo dirão, é melhor e mais perfeito. Quando se trata de obedecer ou amar, não se deve buscar a solidão, mas servir quando Ele nos pede, segundo a exigência dos irmãos. Por isso, o amor é a medida da nossa ação: "é mais precioso diante de Deus e da alma um pouquinho deste puro amor e mais proveitoso à Igreja, ainda que pareça não fazer nada", diz S. João da Cruz.
         O serviço é lugar de crescimento na união com Deus e o amor é a raiz de todo serviço evangélico. A pessoa adiantada no caminho espiritual não quer morrer para ver a Deus, senão quer "com a vida servir em alguma coisa a quem tanto ela deve" (Meditações sobre os Cantares, 7,1). Em Santa Teresa os desejos de querer morrer para gozar plenamente da comunhão com Deus, sucede o querer viver para servir (7M 3,4) e explica dizendo que como "não olha mais seu próprio contentamento, senão agradar a Deus, seu prazer é em imitar em algo a trabalhosíssima vida que Cristo viveu" (MC 7,9), que significa "deixar seu saber e bem para contentar-lo em servir o próximo". Quanto mais adiantado se está no caminho da oração, "mais acode às necessidades dos outros" (MC 9).
         Segundo Santa Teresa a força evangelizadora da Igreja não está na força dos exércitos, nem na regulamentação doutrinal, moral ou jurídica, mas no nível contemplativo da comunidade eclesial, que a faz amar e trabalhar e vice-versa. Sim, pois a ação do serviço também é fonte da experiência de Deus. "É tão grande o amor que Sua Majestade nos tem que, em paga do que temos ao próximo, fará que cresça aquele que temos para com Ele por mil maneiras; nisto eu não posso duvidar" (5M 3,8; Excl. 2,2).
         Um alto dignatário eclesiático certa vez queixou-se com Santa Teresa porque não tinha tempo para rezar. Teresa lhe disse: "O Senhor lhe dará dobrado, como faz sempre quando alguém deixa (a oração) por seu serviço, ainda que desejo que Vossa Senhoria encontre tempo para si, porque nisto está todo o nosso bem" (Ct 16.1.78; 217,27). Em uma carta a um amigo sacerdote escreve: "entendo que tudo o que se faz para fazer bem um ofício de superior é tão agradável a Deus que, em breve tempo, dá o que, de outro modo, daria em tempos largos" (6.78; 239,8). Certa vez recorda a seu irmão Lourenço, fervoroso orante e não tão diligente trabalhador de sua fazenda: "desengana-se por isso, pois tempo bem empregado como é o de olhar pela fazenda de seus filhos, não lhe tira a oração. Em um instante dá Deus mais, fartas vezes, que com muito tempo; pois não se medem suas obras pelos tempos" (02.01.77; 167,16). E acrescenta com suporte bíblico: "não deixava de ser santo Jacó por mergulhar em seus afazeres, nem Abraão nem São Joaquim, e quando queremos fugir do trabalho tudo nos cansa" (ib. 17).
                   Teresa fala do profundo dinamismo que desata o matrimônio espiritual. O centro onde "só Ele e a alma gozam-se com grandíssimo silêncio" (7M 3,11), constitui-se no "lugar" de operações, a partir de onde se mobilizam todas as forças da pessoa para servir aos demais: "força que envia a alma do centro interior à gente que está acima do castelo, para que não estejam ociosas" (7M 4,11). E continua no número seguinte: "Assim tem farta má aventura enquanto vive; porque, por muito que faça, é muito mais a força interior e a guerra que se lhe dá, que tudo lhe parece nonada".
         O mesmo confessa João da Cruz: porque o amor "faz semelhante ao Amado" (C 36, 3). O "gozemo-nos, Amado!" do primeiro verso da canção, significa a vontade da pessoa em ocupar-se "ora interiormente, ora exteriormente, fazendo obras pertencentes ao serviço do Amado" (ib 4), "entrando mais adentro" na paixão e morte de Jesus para "entrar mais adentro" em sua vida e ressurreição (ib 10 - 13), "dedicada e emancipada ao serviço d'Ele, empregando o entendimento em entender as coisas que são mais de seu serviço para fazê-las, e sua vontade em amar tudo o que a Deus agrada..., e a memória e o cuidado do que é de seu serviço e o que mais lhe há de agradar" (C 28,3). Com um mapa da Espanha na mão se pode meditar a carta a Ana de Santo Alberto, de junho de 1586.
         O que mais agrada a Deus, qual o seu "manjar", no dizer de Teresa? "É fazer, de todas as maneiras que podermos, que almas se salvem e sempre o louvem" (7M 4,14). A unidade de vida não está na alternância de atos, de contemplação e de apostolado, senão no amor, que é o que dá sentido de comunhão e de serviço a tudo o que a pessoa realiza. As obras externas podem até faltar por vocação ou impedimento físico, mas nunca faltará a realidade de uma vida fecundíssima apostolicamente em favor da Igreja e da humanidade, se houver aquela união com Deus, que é o princípio e o termo que define e identifica nossa vida.

A Comunidade, “Colégio de Cristo"
         A graça mística de ver-se "dentro do inferno" (V. 32,1), "uma das maiores graças que o Senhor me fez" (ib 5) aumenta em Santa Teresa a pena das "muitas almas que se condenam" e "os ímpetos grandes de conquistar almas" (ib 6). Exorta com encarecimento a seus leitores: "não nos contentemos com menos que fazer de tudo o que pudermos de nossa parte..." (ib 7).  E fala-nos de sua situação interior: "andando eu a desejar encontrar o modo de acabar já de apartar-me toda do mundo... não sossegava" (ib 8). "Mas pensava que podia conseguí-lo por Deus" (ib 9). 
         A resposta começa por onde seria de prever: tornar sua disposição pessoal consequente com a própria vocação. A atenção se concentra em si mesma, com são realismo - "que podia". E o que se lhe ofereceu foi isto: " primeiro era seguir o chamado que sua majestade me fez à religião, observando minha Regra com a maior perfeição possível" (ib 9). Em primeiro lugar está aquilo sem o qual não há possibilidade alguma de mais nada, o fundamento, o cimento, a condição essencial para abrir-se com garantia ao futuro que vier. A decisão "a seguir" é abundante, total, no olha um setor particular, mas assinala um caminho que fará "com a maior perfeição possível". 
         Muito pouco tempo depois, na primeira página do Caminho de Perfeição, Santa Teresa nos oferecerá a mesma resposta com alguns matizes. Sobre seu espírito há uma pressão externa: o que está se passando na Igreja pela cisão protestante; sua condição de mulher que lhe "impossibilita de fazer o que deseja"; e a formulação de um propósito: "pois tendo (Jesus) tantos inimigos e tão poucos amigos, que        estes sejam bons". O propósito e decisão firme, formulados como amizade, são a chave. 
         Deste modo a santa abre sua resposta a outros. Não lhe basta viver o que se propõe, mas de levar adiante sua decisão numa comunidade, onde possa conviver, numa mística de entrega comunitária: "procurar que estas pouquinhas que estão aqui pudessem fazer o mesmo" (1,2). Comunidade, portanto, aberta à Igreja e ao mundo. A santa pensa que vive em um momento eclesial e social em que seus pequenos e legítimos problemas devem ser colocados num segundo plano: "estando ardendo o mundo, querem tornar a setenciar a Cristo..., querem colocar sua Igreja pelo chão..., portanto, não é tempo de tratar com Deus de negócios de pouca monta... Esta é a vossa vocação, estes os vossos negócios" (1,5).
         Importa agora assinalar a dimensão teologal da comunidade. O membro que a identifica é Deus, Jesus. O diz de muitas maneiras. É o "Colégio de Cristo" (CV 27,6). Quando Deus pede-lhe de fundar o mosteiro de São José de Ávila, diz-lhe: "que Cristo andaria entre nós" (V 32,11). "Sua Majestade escolheu as almas que trouxe ao mosteiro" (V 35,12). Ele "nos reuniu aqui" (CV 8,1). A comunidade é chamada também de casa de Betânia na qual Jesus, o Hóspede "encontra-se conosco para comer e recrear" (CV 17,6). A casa é "paraíso de suas delícias" (V 35,12) onde Deus encontra seu descanso (cf. CC 6,2).
         Esta dimensão teologal, que vê a Deus como agente e identificador da comunidade cristã, pede uma resposta dos chamados a caminhar na mesma direção. A santa nos ofereceu no Caminho "as coisas necessárias para os que pretendem tomar o caminho da oração": amor mútuo, desapego de todo o criado e humildade. Estas coisas são válidas, ao mesmo tempo, para a formação da comunidade. Por elas trata a santa de formar um eu relacional com Deus e os irmãos. Fundamentalmente trata-se de viver centrados em Jesus, recolhidos n'Ele, com "os olhos em vosso Esposo" (CV 2,1), "a sós com Ele só" (V 36,30). Trata-se da linguagem que identifica as carmelitas e toda a comunidade cristã (V 36,26; CV 20,4).
         As mesmas afirmações encontramos em São João da Cruz, com a mesma carga de uma forte e amorosa centralização em Jesus: "Em meu peito florido, que inteiro para Ele só se guardava" (poema Noite, 6), "e vejam-te meus olhos, pois eras luz deles e só para ti quero tê-los" (C 10). Uma atitude que deve unir e irmanar a comunidade inteira. Escreve a Santa: "Dar-nos todas ao Todo, sem reservas" (CV 8,1). Realidade contemplada na primeira comunidade de Ávila: "Deixaram tudo e todas juntas se oferecem em sacrifício por Deus" (V 39,10). A comunidade contemplativa é definida como a fonte de água viva (F 31,46). A opção por Jesus é a verdadeira libertação. A Ele a doação total de si mesmo em pura gratuidade. "Esta casa é um céu para quem se contenta só em contentar a Deus e não faz caso do contento próprio" (CV 13,7). A comunidade constitui-se em uma nova família, cujos novos membros são "os que só a Ele o quiserem" (CV 9,5). Teresa vive e expressa com tanta força esta dimensão teologal que dirá que quando sofre o amor fraterno "expulsaram o esposo de casa" (CV 7,10). E não duvida em declarar: "como gostaria que neste mosteiro entrasse um fogo que nos abrasasse a todas" (ib 11).
         O amor fraterno é compartilhado e expresso em clima de oração que contagia e desperta mutuamente (6M 6,11; V 7, 20 - 22), pois "a caridade cresce ao ser comunicada" (ib 22).
         Porém também deve-se cuidar da dimensão humana na vida comunitária. São João da Cruz escreveu: "a alma que anda no amor, não cansa nem se cansa" (D 96), "é branda, mansa, humilde e paciente" (D 28). Falando diretamente da vida comunitária ele diz que, por não aceitar as contradições comunitárias, por não aceitar ser "polido e exercitado na virtude"muitos religiosos "não sabem colocar-se bem no convento em relação aos outros" (Caut. 15), e exorta a ser amigo "mais de contentar aos outros que a si mesmo" (AVR 17).
         Porém foi a santa a que mais insistiu nisto. Ao próprio João da Cruz ela ensina "o estilo de irmandade e recreação" das descalças (F 13,5), "a suavidade e o descanso" com que se leva a vida no Carmelo (V 36, 10.30), convencida de que "a virtude convida a ser amada" (CV 4,10; 6,1; 41, 4-8). Teresa confessa que "é amiga de que se alegrem" (Ct 1.2.80; 316, 14), pois "tudo é linguagem de perfeição" (Ct 9.1.77; 172, 10).
Recreação Teresiana
A Recreação no Carmelo segundo Santa Madre Teresa (textos escolhidos) 
Caminho 7,7 - Procurar alegrar as irmãs
7 – “Procuremos também recrear-nos com as irmãs quando estas tiverem necessidade disso, e no momento costumeiro, ainda que não seja do nosso gosto, já que, havendo prudência, tudo é amor perfeito. Assim, é bom que umas se apiedem das necessidades das outras, mas sem falta de discrição e sem contrariar o dever da obediência. Mesmo que, no íntimo, considereis duro o que a prelada mandar, não o demonstreis nem conteis a ninguém, a não ser à própria priora, e com humildade, para não provocardes muitos danos.
Procurai entender quais são as coisas que havereis de sentir e quando apiedar-vos das irmãs, sentindo sempre qualquer falta notória que nelas virdes. Aqui se mostra e exercita bem o amor; nessas circunstâncias, devemos saber sofrer diante da falta cometida pela irmã, não nos espantando com ela, pois o mesmo hão de fazer as outras irmãs diante das nossas faltas, que devem ser em número ainda maior, embora não o saibamos.
Assim, encomendemos veementemente a irmã faltosa a Deus, procuran¬do praticar com grande perfeição a virtude contrária à falta que ela parece ter cometido. Esforçai-vos nisso, para ensinar através de obras o que a irmã talvez não entenda por palavras nem corrija por castigo. É muito comum que se pratique a virtude que se vê resplandecer na companheira. Trata-se de um bom conselho, que não deve ser esquecido.”
Caminho 41, 7 - Quanto mais santas mais afáveis
7 – “Assim, irmãs, tanto quanto puderdes, sem ofensa a Deus, procurai ser afáveis e agir de tal maneira com as pessoas com quem tratardes que elas apreciem a vossa conversa, desejem o vosso modo de viver e tratar e não se atemorizem nem se amedrontem de praticar a virtude.
Isso é muito importante para as religiosas; quanto mais santas, tanto mais afáveis nas conversas com as irmãs. E, mesmo que vos sintais contristadas quando os assuntos de suas conversas não forem o que mais desejaríeis, nunca vos esquiveis se quereis ser úteis e amadas. Com efeito, isto é o que devemos procurar com ardor: ser afáveis, agradar e contentar às pessoas com quem lidamos, em especial nossas irmãs.”
Fundações 13, 5 - Importância da recreação
5 – “Faltava-nos então cair nas boas graças dos padres de que tenho falado, pois essa fora a condição estabelecida pelo nosso Geral. Eu esperava em Nosso Senhor alcançá-la e deixei a cargo de Frei Antônio as providências cabíveis para angariar recursos para a casa, partindo para a fundação de Valladolid com Frei João da Cruz. Ficamos uns dias sem clausura para que os operários reparassem a casa; tive então oportunidade de informar ao padre João da Cruz sobre o nosso modo de proceder, para que ele entendesse bem tudo quanto se referia à mortificação, ao estilo de nossa irmandade e à recreação em comum. Porque fazemos tudo com tal moderação que a recreação serve apenas para que as irmãs reconheçam suas falhas e tenham um pouco de alívio para suportar o rigor da Regra. Ele era tão bom que mais podia eu aprender com ele do que ele comigo. Minha inten¬ção, porém, não era essa e sim mostrar-lhe a maneira de proceder das irmãs.”
Conhecimento Próprio
Texto de Santa Teresa de Jesus sobre o "conhecimento próprio" no livro "Castelo Interior" ou "Moradas"
O Conhecimento Próprio: condição necessária para progredir na vida espiritual (1M 2, 8-11)
(8) – “Voltemos agora ao nosso castelo de muitas moradas. Não deveis imaginar essas moradas uma após outra, como coisa alinhada; deveis, isto sim, pôr os olhos no centro, que é o aposento ou palácio onde está o rei, e considerá-lo como um palmito, que tem muitas coberturas que cercam tudo o que é saboroso, aquilo que se destina a comer. O mesmo acontece aqui: ao redor desse aposento, há muitos outros e também por cima. Porque as coisas da alma sempre devem ser consideradas com plenitude, amplidão e grandeza, sem receio de exagera. Sua capacidade suplanta tudo o que podemos considerar, e a todas as partes dela se comunica esse sol que está no palácio.
Isso tem grande importância para qualquer alma que tenha oração, pouca ou muita: que ela não se tolha nem se restrinja. Que ande por essas moradas, em cima, embaixo, dos lados, pois Deus lhe deu essa grandíssima dignidade. Que não seja ela forçada a permanecer muito tempo num só aposento, mesmo que seja o do próprio conhecimento, por mais necessário que seja.
Entenda-me bem: mesmo as almas a quem o Senhor tiver chamado ao aposento íntimo em que se encontra, por mais enlevadas que aí estejam, não devem negligenciar o conhecimento próprio. Nem o poderão fazer, ainda que o queiram, porque a humildade é como uma abelha na colméia: sempre fabrica o seu mel. Sem isso, tudo estaria perdido.
Mas consideremos que a abelha não deixa de sair e voar para trazer flores. Do mesmo modo, a alma voltada para o próprio conhecimento deve voar algumas vezes, a fim de considerar a grandeza e a majestade do seu Deus. Ela constatará a sua baixeza mais do que olhando para si, libertando-se dos parasitas que entram nos primeiros aposentos, que são os do próprio conhecimento. Embora seja grande misericórdia de Deus a alma exercitar-se nisso, tanto se peca por excesso como por falta, segundo se costuma dizer. E crede nisto: com a virtude de Deus, praticaremos assim melhor a virtude do que muito presas ao nosso barro".
(9) - "Não sei se fui clara o bastante, porque a questão de nos conhecer é tão importante que eu gostaria que não houvesse nisso nenhuma negligência, por mais elevadas que estejais nos céus. Enquanto estamos nesta terra, não há coisa que mais nos importe do que a humildade. E assim volto a dizer que é muito bom, extremamente bom, entrar primeiro no aposento do conhecimento próprio antes de voar aos outros, porque esse é o caminho. Só podemos ir pelo seguro e plano, para que haveremos de querer asas para voar? Devemos, pelo contrário, aprofundar-nos mais no conhecimento de nós mesmas.
A meu ver, jamais chegamos a nos conhecer totalmente se não procurarmos conhecer a Deus. Olhando a sua grandeza, percebemos a nossa baixeza; observando a sua pureza, vemos a nossa sujeira; considerando a sua humildade, constatamos como estamos longe de ser humildes".
(10) - "Há nisso duas vantagens. Em primeiro lugar, está claro que uma coisa branca parece muito mais branca quando perto de uma negra, e vice-versa. Em segundo, porque o nosso intelecto e a nossa vontade se tornam mais nobres e mais dispostos a todo bem quando, às voltas consigo mesmos, tratam com Deus. Há muitos inconvenientes em nunca abandonar o nosso lodo de misérias. Assim como, ao falar dos que estão em pecado mortal, dizíamos quão negras e de mau odor são suas águas, assim também, se não sairmos da miséria do nosso lodo – embora Deus nos livre, isto não passe de comparação, pois não se trata do mesmo caso daqueles – nunca a corrente sairá do lodo de temores, de pusilanimidade e de covardia, bem como de pensamentos como estes: “Estão me olhando – não estão me olhando”; “por esse caminho não terei êxito”; “atrever-me-ei a começar esta obra?”; “será soberba fazê-lo?”; “pode uma pessoa tão miserável como eu tratar de assuntos tão elevados como a oração?”; “vão me achar melhor do que os outros, porque não sigo o caminho trilhado por todos”; “não são bons os extremos, mesmo no que se refere à virtude”; “como sou tão pecadora cairei de mais alto”; “talvez eu não vá adiante e prejudique os bons”; “não deve ter singularidades uma pessoa como eu”.
Par. 11- "Oh! Valha-me Deus, filhas, quantas almas o demônio deve ter posto a perder por esse meio! Pois tudo isso lhes parece humildade, bem como muitas outras coisas que eu poderia dizer. A causa é o fato de não nos conhecermos devidamente; distorcemos o conhecimento próprio e, se nunca saímos de nós mesmos, esses e outros males devem causar-nos temor.
Por isso digo, filhas: ponhamos os olhos em Cristo, nosso bem, e com Ele, bem como com seus santos, aprenderemos a verdadeira humildade. Isso nos enobrecerá o intelecto e evitará que o nosso conhecimento próprio se torne rasteiro e covarde. Porque, embora esta seja apenas a primeira morada, é extremamente rica e de grande valor. Se escaparmos dos parasitas que nela existem, conseguiremos avançar. Terríveis são os ardis e manhas do demônio para que as almas não se conheçam a si mesmas nem entendam o caminho a seguir”. 1Noite 12, 2 - A noite ajuda a nos conhecermos 2 – “O primeiro e principal proveito causado na alma por esta seca e escura noite de contemplação é o conhecimento de si mesma e de sua miséria. Decerto, todas as graças de Deus às almas ordinariamente são concedidas de envolta com o conhecimento próprio; mas estas securas e vazio das potências, em comparação da abundância anterior, bem como a dificuldade da alma para todas as coisas boas, fazem-na melhor conhecer a própria baixeza e miséria do que no tempo da prosperidade não chegava a ver...” Cântico Espiritual 4, 1 - O início do caminho espiritual supõe o conhecimento próprio para chegar ao conhecimento de Deus 1 – “A alma já deu a entender como convém dispor-se para começar este caminho: não procurar deleites e gostos, e ter fortaleza para vencer as tentações e dificuldades. Nisto consiste o exercício do conhecimento próprio, que é a primeira coisa requerida para chegar ao conhecimento de Deus. Agora, nesta canção, começa a caminhar, pela consideração e conhecimento das criaturas, ao conhecimento do seu Amado, criador delas. Efetivamente, depois do exercício do conhecimento próprio, a consideração das criaturas é a primeira que se acha neste caminho espiritual como meio para ir conhecendo a Deus..."
Caminhar na Verdade
Tomaz Alvarez
         Na psique de Teresa costuma destacar-se, quiçá unilateralmente, o aspecto afetivo: sua cordialidade, afetividade, amor amizade... No entanto, sua psicologia feminina está fortemente marcada por uma constante cerebral: sua necessidade de entender e entender-se, seu inesgotável afã por discernir a verdade ou a autenticidade de suas graças místicas e sua vida inteira, o recurso aos letrados para lhe tragam luz ou lhe garantam a verdade de suas experiências. Não concebe um projeto de vida espiritual que não vá fundado na verdade: "um espírito que não comece pela verdade melhor faria em não orar" (V 13,16). Em definitivo, Teresa é, estruturalmente, uma buscadora da verdade, necessitada de "andar na verdade", refratária à mentira e a tudo quanto leve ressaibos de mentira. Repete o tema evangélico: a mentira é do diabo, "ele é todo mentira" (V 15,10), "é amigo de mentiras, e a mesma mentira" (V 25,21). Não obstante, Deus "é a mesma verdade" (V 40,1; C 19,15). É sintomática essa sua reiterada referência aos dois pólos extremos e sumos de verdade e mentira.
Sua doutrina
         Teresa, que tão positivo conceito costuma ter das pessoas, tem em troca uma visão entre realista e pessimista da vida social. Não suporta o que ela chamou "farsa desta vida" (V21,6). Tem a convicção de que a sociedade não se rege por um código de "verdade": "Está a vida toda cheia de enganos e fingimentos" (V 21,1). "Porque não se pode viver quando se vê com os próprios olhos a grande ilusão em que vivemos" (ib 4). Está convenc ida do ingente transtorno de valores que rege a vida social: honra, dinheiros, prazeres. "O que o mundo chama honra, ela percebe a grande mentira que isso é e vê que todos nos enganamos" (V 20,26). "Quando se pensa ter conquistado um coração em base nas provas de afeição que dele vêm, descobre-se que tudo é mentira. Não há quem possa viver com tantas intrigas, especialmente quando há um pouco de interesse" (V 21,1). Ela mesma se sente envolvida inexoravelmente nessa rede; di-lo-á a seu Senhor: "apesar de me terdes dado uma natureza que abomina a mentira, eu mesma me obriguei a lidar com muitas coisas a partir da mentira?" (V 40,4).
         Daí a importância que ela concede a duas linhas de conduta: discernir os valores da vida, e conhecer a verdade mesma de algum. é o que se chamou "socratismo teresiano" e que a levou à distinção da conduta humana em duas posturas radicalmente opostas: "andar na verdade" e "andar na mentira". Impossível conhecer a verdade de algo - valores e contra valores - senão à luz de Deus: propô-lo-á com urgência ao principiante de Moradas (M 1,2). E precisá-lo-á quase no final das mesmas (M 6,10).
         Nessa ordem de coisas é insuplantável este último texto: "Certa vez, pensando eu por que Nosso Senhor aprecia tanto a virtude da humildade, deparei logo... com o seguinte: sendo Deus a suma Verdade, e a humildade, andar na verdade, eis a razão da sua importância. E é grandíssima verdade o fato de nada de bom proceder de nós; só o fazem a miséria e a insignificância. E quem não entende isso anda na mentira. Quem mais o compreender mais agradará à suma Verdade, porque anda nela" (M 6,10,7).
A fortaleza mística da verdade
         Se parece óbvio que há graus no conhecimento da verdade, desde o menino ao cientista ou ao filósofo e ao contemplativo, não cabe dúvida de que nessa escala corresponde um posto especial ao místico. Ele vê as coisas e a vida com luz diversa.
         Não resulta fácil esclarecer em que consiste essa visão especial que o místico tem da realidade, seja dos acontecimentos da rua, seja a realidade transcendente. No caso dessa mística que é Teresa, ela mesma nos dá chaves de leitura, a partir de dois acontecimentos decisivos que a introduziram nesse espaço visual: de ordem afetiva um; puramente intelectual o outro. O primeiro purifica e unifica misteriosamente a vida afetiva: ela o refere no capítulo 24 do Livro da Vida. Depois, no capítulo 26 refere o segundo episódio, mais decisivo e determinante. É o momento em que despojam Teresa de sua pequena quota de livros portadores de luz e, misteriosamente também, é-lhe prometido o livro vivo, de onde veja a verdade sem tanta necessidade de recursos doutrinários humanos. E o "livro vivo" é Cristo (V 26,5). A Teresa mudam-lhe os olhos. Prontamente se sente capaz de "entender verdades". Fala de uma luz nova totalmente distinta da deslustrada luz do sol. Sente-se capaz de discernir "o que é" do que são meras aparências. "Bem-aventurada a alma que o Senhor faz entender verdades! Que ótimo estado para os reis!" (V 21,1). "Chegando a essa fortaleza de onde se vêem verdades..., tudo poderei" (21,5). "O seu pensamento se acostuma a tal ponto a compreender a verdade verdadeira que todas as outras coisas lhe parecem brinquedo de criança" (21,9). Essa sua nova maneira de ver ou entender não a desembaraça das humildes realidades terrestres, desde o encanto da água ou de uma formiguinha, até o mistério da vida humana, o encanto da amizade, ou o convencionalismo vazio dos "senhorios" e as "autoridades postiças". Mas sobretudo sente-se convocada à visão do transcendente. O drama místico relatado nesses capítulos do Livro da Vida tem seu desenlace no final do livro, capítulo 40, com a experiência da Verdade de Deus: "Todas as outras verdades dependem dessa Verdade, assim como todos os demais amores, desse Amor" (40,4). "Essa Verdade divina, que me foi apresentada sem eu saber como nem por quem, ficou impressa em mim uma verdade que me faz respeitar Deus de modo inteiramente novo, porque dá um conhecimento de sua Majestade e do Seu poder que é impossível descrever... Fiquei com uma imensa vontade de só falar coisas muito verdadeiras que estejam acima das coisas do mundo.... Essa graça infundiu em mim grande ternura, deleite e humildade" (40,3).
         É provavelmente o melhor documento de sua chegada à visão nova e mística da Verdade e das verdades.
O mistério da Igreja
         Do mistério comunitário divino ao mistério da Igreja, cuja "essência íntima, segundo Paulo VI, a fonte original da eficácia com que santifica os homens, encontra a raiz em sua mística união com Cristo". A Igreja, nascida do coração de Deus e seu sacramento, à qual Ele confiou a Palavra e Presença salvíficas do Filho, é também cenário, destinatária e quem discerne a graça que Deus outorga aos membros que a compõem. Disto tudo nos fala a experiência e o magistério dos nossos santos padres carmelitas.
         João da Cruz tira do mistério de Deus trino a origem da Igreja, a esposa que o Pai prepara para seu Filho. Assim o manifesta nos sóbrios e simples versos de seus romances: "Uma esposa que te ame, meu Filho, dar-te queria, que por teu valor mereça estar em nossa companhia". O Filho contesta; "Muito lhe agradeço, Pai - o Filho lhe respondia -; à esposa que deres eu minha claridade daria" (R 3). Deus cria também um palácio para a esposa - o mundo, com suas variedades de lugares e de seres, porém todos são um só corpo (ib). "Ele era a cabeça, os justos o corpo da esposa, com quem viria ao Pai, "donde do mesmo deleite que Deus goza, gozaria; que, como Pai e o Filho e o que deles procedia, um vivendo no outro, assim a esposa seria, e dentro de Deus absorta, vida de Deus viveria" (R 4). Feita a esposa à "imagem do Filho", é-lhe comunicado o mesmo amor que ao Filho; o Filho, por sua encarnação, faz-se também semelhante à esposa.
         Nascimento, vida, destino da Igreja: "porém todos são um corpo da esposa que dizia; que o amor de um mesmo esposo, uma esposa os fazia". Mistério de comunhão entre os membros e de todos com a cabeça. No Cântico Espiritual São João da Cruz dirá que a união hipostática da natureza humana com o Verbo Divino, e na relação que nela existe da união dos homens com Deus" (C 37,3). E abrirá uma chave interpretativa eclesial da história do exercício de amor entre a alma e o esposo, ao escrever: "este verso se entende propriamente da Igreja e de Cristo, no qual a Igreja, sua esposa, fala com Ele" (30,7). Cristo esposo e Igreja esposa: os mesmos bens que são próprios de Deus se fazem também comuns à alma esposa (C 14 - 15, 29).
         A Santa Madre nos apresenta com mais vivacidade como ela vê a Igreja histórica. Porém não silencia a perspectiva e o objetivo que persegue com sua Reforma, que é a realidade da Igreja escatológica que ela traduz com simplicidade como a Igreja dos vivos (cf. V 38, 6), dos que "estão cheios de caridade" (CV 29,1). Da convergência do panorama da Igreja histórica que ela contempla em seu tempo e da Igreja dos bem-aventurados, surgirá seu poderoso sentido de Igreja, sua grande paixão de viver e morrer sua filha.
         Ainda que não podemos determinar com segurança quando a ruptura da unidade da Igreja golpeou a consciência de Santa Teresa, o certo é que produziu nela uma profundíssima comoção e significou muito em sua orientação espiritual e a direção que imprimiu em sua obra de reforma. Teresa fala dos tantos males da Igreja (V 7,5), dos danos que sofre (V 13, 10), das grandes tempestades (ib 21), e das grandes necessidades que lhe afligem (CC 3,7). Sendo ela Igreja e vivendo dentro dela, dói-lhe a ruptura que assiste entre letrados e espirituais, tantíssimos, entre os primeiros, que são sem espírito, ou que "querem levar as coisas de Deus por sua razão" (CM 6,7); entre os segundos vê quantos não têm uma séria, consistente formação teológica. A mesma vida religiosa não lhe oferece uma imagem melhor. Vendo como a vida religiosa traz dentro de si dez mundos (V 7, 4,5) , com suas honras e suas leis (CV 36,4), ela exclama: "não sei do que estranhamos que haja tantos males na Igreja" (V 7,5).
         Banhada misticamente da luz de Deus Teresa se vê agente, culpável por toda esta situação. Não faz ela uma leitura farisaica da realidade. É pecadora e, como tal, está na Igreja, e tem não pouco a que ver com vida dela: "via-me tão mal que os males e heresias que se tinham levantado seriam por causa dos meus pecados" (V 30,8). Esta lucidez com que vê a Igreja reflete-se positivamente na alma da santa, que traduz tudo no estilo que quer implantar em sua reforma.
         Para Teresa a Igreja é também o espaço onde a graça de Deus é acolhida. Sendo sua destinatária a Igreja deve discernir e verificar a mesma graça recebida. Poderíamos dizer que a graça mística introduz santa Teresa mais para dentro da vida da própria Igreja, uma graça que ela deverá viver comunitariamente. Daí a necessidade de estar dentro da fé da Igreja, de se crer nela (CV 21,10). Santa Teresa, por isso, busca o discernimento da Igreja e sujeita-se a ser examinada pelos ministros que Deus colocou nela (CC 53,3); começa também a tratar com pessoas espirituais (CC 53, 8) e, depois, "com alguns letrados, ainda que não fossem muito dados à oração" (ib 9), evitando a quem "cria que tudo era de Deus" (ib 19). Sujeita-se e obedece (CC 1,15.37; 53, 15), como lhe disse Deus mesmo, expressando, não obstante a enorme contrariedade que lhe produz pela plena certeza subjetiva que tem da origem divina das graças que recebeu (V 29,6). Mais tarde não durará em aconselhar a suas monjas que não obedeçam caso alguém lhes dê o conselho de ser indiferente às visões (6M 9,13).
         Santa Teresa, enfim, confessa sua disposição em morrer mil mortes pela menor cerimônia da Igreja (V 33, 5). Põe toda sua vida ao serviço da Igreja: "sempre com grande desejo de que fosse louvado e sua igreja aumentada" (ib 1). Assim educará mais tarde suas irmãs dizendo que "se afeiçoassem ao bem das almas e ao aumento de sua Igreja" (F 1,6). Não se esquece de rogar a suas irmãs que, lindo as Moradas, peçais ao Senhor pelo aumento de sua Igreja" (7M 4,24), demonstrando seu profundo e fundamental sentido de pertença à Igreja, cuja fé não poderá ser contrariada, ainda que haja mil revelações que a contradigam, ainda que os céus se abram (V 25,12).
Fr. Maximiliano Herraiz, ocd
Contemplação
... em Santa Teresa
Tomas Alvarez 
        
         Teresa entende por "contemplação" uma forma de oração superior à meditação e estruturalmente diversa desta. A meditação é discursiva. A contemplação não, é antes intuitiva. Aquela é racional, fundamentalmente obra do entendimento e orientada para a vontade e a apção. A contemplação afeta diretamente a vontade e envolve toda a pessoa do orante, toda a sua afetividade anímica, num simples fuxo de atividade e passividade. Realiza uma especial relaão do homem com Deus, prepara a união mística e perdura nos altos graus da mesma. Teresa distinguirá os atos ou momentos passageiros de contemplação, e o estado de contemplação, que coincidirá nos escritos teresiano0s com os altos graus da experiência mística, quando o sujeito se sensibilizou e conaturalizou-se com a presença e a ação de Deus nele.  
         Embora sem lhe dar o nome de "contemplação", Teresa dedica-lhe uma espécie de instantânea descritiva no primeiro capítulo do Livro da Vida, ao recordar a eclosão de sua sensibilidade infantil, pensando na eternidade ou abandonando-se ao desejo de ver a Deus: "Espantava-nos muito a afirmação, no que líamos, de que a pena e a glória eram para sempre. Ocorria de passarmos muito tempo tratando disso e nos agradava dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre! Por dizer isso muito devagar, ficava imporesso em mim, em tão tenra idade, o caminho da verdade" (1,4). Reparem nos indicativos da modulação contemplativa infantil: "espantava-nos muito" (assombro), "passar muito tempo" (enlevo prolongado), !caminho da verdade impresso em mim" (índice inicial de infusão ou de passividade contemplativa).
         Rara vez ela aludirá ao ato natural de contemplar algo, como a paisagem ou a água ou o rosto de uma criança. Atesta-o somente de passagem: "Eu também me beneficiava de ver campos, águas, flores; encontrava nessas coisas a lembrança do Criador, isto é, elas me despertavam e me recolhiam, servindo-me de livros! (V 9,5; na R 1,11 completa a série: "quando vejo alguma coisa formosa, rica, como água, campos, flores, odores, música...", mas nesta passagem já os transcendendo desde a alta contemplação do divino).
         Do ponto de vista psicológico, na contemplação - segundo ela - estão atados o entendimento e a fantasia. É clássico seu momento de auto-análise: "Este entendimento (abarca o entendimento e imaginação) está tão perdido (na contemplação), que não parece senão um louco furioso, que ninguém pode atar, nem sou senhora de fazê-lo estar quieto um credo... Conheço mais então a grandíssima mercê que me faz o Senhor quando tem atado este louco em perfeita contemplação" (V 30,16).
         Do ponto de vista pedagógico, no magistério teresiano há dois modos de superar e discorrer da meditação: uma, com a simples superação da oração discursiva, que ela chama "recolhimento" ou "oração de recolhimento", e a outra já em "contemplação mística" que ela alguma rara vez designará com o termo teológico latinizante "infusa": "luz infusa" (M 6,9,4), "resplendor infuso" (V 28,5), "sabedoria infundida" (C 6,9). Só para esta reserva o nome de "contemplação". Costuma qualificá-la de "contemplação perfeita" (V 22 passim; C 16; 25,1; 27-28; M 6,7,7; F 4,8...); em seus graus místicos mais elevados: "subida contemplação" ou "subidíssima contemplação" (V 8,11; 22 tít...; CE 60,2), "cume de contemplação" (V 22,7; Con 5,3).
         As notas características da contemplação infusa são, segundo ela, do ponto de vista psicológico, a fixação da mente em qualquer um dos aspectos do mistério, com a consequente cessação do fluxo de pensamentos de imagens: Teresa titubeia entre as duas fórmulas "o entendimento não discorre" ou "não obra", ainda que esta última corrigi-la-ão os teólogos censores.
         Mais importante é sua origem: do ponto de vista genético, "é coisa dada por Deus" (C 17,2), "coisa sobrenatural" (V 23,5); ou seja, é pura iniciativa de Deus em nós, pura graça: "sem o rumor das palavras, esse Mestre divino está lhe ensinando, suspendendo-lhe a atividade do intelecto, porque esta, nessa circunstância, antes prejudicaria que beneficiaria; a alma goza sem entender como. Ela está abrasando-se em amor e não entende como ama; sente deleitar-se naquilo que ama e não sabe como. Ela bem entende que o seu intelecto nunca alcançaria esse prazer; é tomada por uma intensa vontade sem compreender como... Ele é dom do Senhor do céu e da terra, que o dá como quem é. Esta, filhas, é a contemplação perfeita" (C 25,2). Teresa insiste repetidas vezes em que não existem técnicas oracionais que produzam este gênero de contemplação ou introduzam nela. Em nítida contraposição com as duas formas de oração mental e vocal: "pensar e rezar. Nessas duas coisas, também podemos fazer alguma coisa, com o favor de Deus; na contemplação de que acabei de falar, nada está ao nosso alcance. Sua Majestade é quem faz tudo, pois é obra Sua, que está além da nossa natureza" (ib.3).
         O mais apreciado, entre todos os conteúdos da contemplação [e - para ela - o mistério de Cristo Jesus. Em todas as suas manifestações, suas palavras, sua conduta histórica, seu amor, seus sentimentos, sua relação com o Pai, sua cruz, sua glória. Teresa defendeu de modo especial o caráter cristológico da contemplação mística. Não é verdade - segundo ela - que a contemplação cristã adote a tese platônica de objetivar-se nas formas puras e imateriais. A Humanidade de Jesus é não só objeto possível na mais alta contemplação, mas que a contemplação cristã é inevitável. Ele é caminho e porto final. Daí decorre que, segundo ela, Cristo e sua Humanidade santa, marquem a escalada da contemplação, em sua linha ascensorial para o divino e em sua dimensão expansiva para o humano.
(Texto extraído do Dicionário de Santa Teresa, Ediões Carmelitanas & LTR)

A perfeição
... segundo os místicos do Carmelo

Textos escolhidos sobre a perfeição em Santa Teresa, S. João da Cruz e Santa Teresinha
I. A "perfeição" segundo Santa Teresa
Caminho 16, 10-12 - Escolhidos por Deus para ser santos
10 - “Oh, que feliz cuidado, filhas minhas! Maravilhosa renúncia de coisas tão pequenas e tão baixas que nos leva a tão grande altura! Vede: estando nos braços de Deus, que importância terá para vós ser culpadas por todo o mundo? O Senhor tem poder para livrar-vos de tudo, já que, quando mandou que o mundo se fizesse, este se fez; Seu desejo é obra. Portanto, não temais, pois Ele só consente em que falem contra vós para o maior bem da vossa alma; Ele vos ama e não quer pouco a quem o quer.
Logo, por que, irmãs minhas, não lhe mostraremos nós, tanto quanto pudermos, o nosso amor? Vede que é uma bela troca dar o nosso amor em troca do seu; vede que Ele tudo pode e que nós, aqui, só podemos o que Ele nos faz poder. E o que fazemos por Vós, Senhor, nosso Criador? Praticamente nada, uma mera determinaçãozinha. Ora, se pelo nada vale sua Majestade quer que mereçamos o tudo, não sejamos néscias. 
11- Ó Senhor! Todo o prejuízo vem de não termos os olhos postos em Vós, porque, se o nosso olhar não visse outra coisa além do caminho, chegaríamos depressa. Contudo, caímos mil vezes, tropeçamos e perdemos o rumo por não fixarmos o olhar, como estou dizendo, no verdadeiro caminho. Parece que nunca andamos por ele, já que tanto nos parece novo. É por certo de lastimar o que algumas vezes acontece. Porque, quando querem nos menosprezar em alguma coisa minúscula, não o suportamos, nem nos parece possível suportar; e logo dizemos: “Não somos santas!”
12 – Deus nos livre, irmãs, de dizer, quando fizermos uma coisa imperfeita: “Não somos anjos”, “não somos santas”. Percebei que, apesar de não o sermos, muito bem nos traz pensar que, se nos esforçarmos, poderemos sê-lo, desde que Deus nos dê a mão; e não tenhais medo de que Ele nos falte, se nós no lhe faltarmos. E como não viemos para outra coisa, mão à obra, como se diz; e que não haja serviço para a maior glória do Senhor que não tenhamos certeza d nos desincumbir bem com o seu favor. Eu gostaria de ver nesta casa essa pretensão, porque ela sempre faz crescer a humildade e confere uma santa ousadia, pois Deus ajuda os fortes e não faz exceção de pessoas”.
5Moradas 3, 6-12 - A verdadeira união: viver o amor a Deus e ao próximo
6 - “Mas, ai de nós, quão poucos devemos chegar à (perfeita união com Deus). Aqueles que evitam ofender ao Senhor e abraçam o estado religioso imaginam estar tudo feito. Que engano! Restam umas lagartas que não se dão a conhecer, até que, como a que roeu a hera de Jonas, acabam por nos roer as virtudes: com o amor próprio, a estima de si mesmo, o hábito de julgar os outros, ainda que em coisas pequenas, a falta de caridade para com o próximo, a quem não amamos como a nós mesmos. Com isso, vamos nos arrastando e cumprimos a obrigação apenas para evitar o pecado; no entanto, não chegamos nem de longe às disposições necessárias para aderir totalmente à vontade de Deus.
7 – Que julgais, filhas, ser a sua vontade? Que sejamos completamente perfeitas a fim de nos tornar uma só coisa com o Filho e com o Pai, como sua majestade pediu. Olhai quanto nos falta para chegar a isso! Digo-vos que escrevo isto com grande pena de me ver tão longe, e tudo por minha culpa. E, para chegarmos, o Senhor não precisa conceder-nos grandes consolos; basta o dom que nos fez, enviando seu Filho para ensinar-nos o caminho.
Não penseis que a união consista em resignar-me eu à vontade de Deus a ponto de não sentir a morte de meu pai ou de meu irmão. Ou então, ao passar eu por sofrimentos e enfermidades, padecê-los com alegria. É bom fazê-lo, constituindo às vezes discrição; sabedores de que nada podemos fazer, transformamos a necessidade em virtude...
Aqui, só duas coisas nos pede o Senhor: amor à sua Majestade e ao próximo. É nisso que devemos trabalhar. Seguindo-as com perfeição, fazemos a sua vontade, unindo-nos assim a Ele. Mas, como tenho dito, quão longe estamos de fazer como devemos essas duas coisas a tão grande Deus! Queira sua Majestade dar-nos graça a fim de que mereçamos chegar a este estado. Está em nossas mãos fazê-lo; basta que o desejemos.
8- A meu ver, o sinal mais certo para verificar se guardamos esses dois pontos com perfeição, é a observância fiel do amor ao próximo. Com efeito, não é possível saber se amamos a Deus (embora haja grandes indícios para entender que o amamos); já o amor ao próximo pode ser comprovado. E convencei-vos: quanto mais adiantadas estiverdes no amor do próximo, tanto mais o estareis no amor de Deus. Isso porque é tão grande o amor que o Senhor nos tem que, para recompensar aquele que demonstramos pelo próximo, faz crescer por mil maneiras o amor que temos a ele. Disso não posso duvidar.
9 - É de grande importância estarmos muito atentas a isso. Se guardamos com perfeição o amor ao próximo, temos tudo feito. Pois creio que, sendo má a nossa natureza, só chegaremos a praticar com perfeição esse preceito se o amor ao próximo tiver como raiz o amor a Deus.
Já que este ponto tem tal importância para nós, procuremos, irmãs, verificar como caminhamos nesse aspecto, mesmo em coisas miúdas. Não façamos caso de certas idéias grandiosas, que se apresentam a nós em conjunto na oração e nos persuadem de que faremos e aconteceremos, por amor do próximo e pela salvação de uma só alma. Se depois não condizem nossas obras com esses pensamentos, não lhes demos crédito...
10 - ...Ó irmãs, como se pode ver claramente que em algumas de vós existe de fato o amor ao próximo; enquanto em outras não chegou ele à mesma perfeição! Se entendêsseis a real importância dessa virtude, não teríeis outro anseio na vida!
11- Quando vejo algumas pessoas muito diligentes em compreender a oração que têm e muito impertigadas quando estão nela (a tal ponto que não ousam mexer-se nem agir com o pensamento, a fim de não perderem um pouquinho do gosto e da devoção que tiveram), percebo quão pouco entendem do caminho por onde se alcança a união. E pensam que nisso reside o essencial.
Não, irmãs, não; o Senhor quer obras. Se vedes uma enferma a quem podeis dar algum alívio, não vos importeis em perder essa devoção e tende compaixão dela. Se ela sente alguma dor, doa-vos como se a sentísseis vós. E, se for necessário, jejuai para que ela coma; não tanto por ela, mas porque sabeis que o vosso Senhor deseja isso.
Essa é a verdadeira união com a vontade de Deus. E se virdes uma pessoa ser muito louvada, alegrai-vos mais do que se louvassem a vós. Na verdade, isso não é difícil; se tem humildade, uma alma sente antes pesar por se ver louvada. É grande coisa a alegria sentida por se conhecerem as virtudes das irmãs; e quando virmos alguma falta, deveremos senti-la como se nós a tivéssemos cometido e encobri-la.
12- Falei muito em outros lugares sobre este assunto porque vejo, irmãs, que se houver descuido, estaremos perdidas. Queira o Senhor que nunca tal coisa aconteça. Havendo caridade, asseguro-vos: não deixareis de alcançar de Sua Majestade a divina união.
... Ele vos dará mais do que sabeis desejar, desde que vos esforceis e façais de vossa parte tudo o que puderdes para conseguir esta virtude. Contrariai vossa vontade, para que se faça em tudo a das irmãs, ainda com prejuízo de vossos direitos. Esquecei-vos de vossos próprios interesses, para atender ao bem delas, por mais que contradiga a vossa natureza. Procurai tirar o trabalho ao próximo e tomá-lo para vós, quando houver ocasião. Não penseis que não vos haja de custar algum esforço, nem espereis achar tudo feito. Olhai quanto custou a nosso Esposo o amor que nos teve. Com o objetivo de nos livrar da morte, sofreu a morte crudelíssima da cruz”.
II. A perfeição segundo São João da Cruz:
2Noite 18, 4 - A Perfeição: amar a Deus e desprezar a si mesmo
4 – “...o estado de perfeição consiste no perfeito amor de Deus e desprezo de si mesmo; e, assim, não pode deixar de ter estas duas partes que são o conhecimento de Deus e o conhecimento próprio; portanto, necessariamente, a alma há de ser primeiro exercitada num e outro. Ora goza de um, sendo engrandecida por Deus; ora prova do outro, sendo por ela humilhada, até conseguir hábito perfeito destas duas espécies de conhecimento. Virá então a cessar esta subida e descida, chegando enfim a unir-se com Deus, que está no alto cume desta escada, a qual nele se apóia e se firma. Verdadeiramente esta escada de contemplação que, como dissemos, se deriva de Deus, é figurada por aquela escada que Jacó viu em sonho, e pela qual desciam e subiam os anjos, de Deus ao homem e do homem a Deus, e o mesmo Deus estava assentado no cimo da escada (Gn 23, 12), Esta cena, a Escritura divina diz que sucedia de noite, enquanto Jacó estava dormindo, para mostrar como é secreto e diferente do saber humano este caminho e subida para Deus. É isto muito evidente: de ordinário, o que é mais proveitoso à alma, como seja perder-se e aniquilar-se a si mesma, pensa ela ser o pior; e avalia ser o melhor o que menos vale, isto é, achar em tudo consolo e gosto, - pois comumente encontra aí mais prejuízo do que lucro”.
III. A perfeição segundo Santa Teresinha:
Carta 226, a Padre Roulland, 9/5/1897 - A Perfeição: é reconhecer o próprio nada e abandonar-se nos braços de Deus
“...Às vezes, quando leio alguns tratados de espiritualidade em que a perfeição é exposta através de mil obstáculos, cercada de uma infinidade de ilusões, minha pobre e pequena mente cansa-se logo, fecho o sábio livro que me cansa a cabeça e me seca o coração e tomo a Sagrada Escritura. Tudo me parece luminoso, então, uma só palavra basta para mostrar à minha alma horizontes sem fim. A perfeição me parece fácil, vejo que basta reconhecer o próprio nada e abandonar-se como criança nos braços de Deus. Deixando para as grandes almas, os grandes pensadores, os belos livros que não consigo entender, menos ainda praticar, alegro-me por ser pequena, pois só as crianças e os que se lhes assemelham serão admitidos ao banquete celeste. Estou muito feliz por haver muitas moradas no reino de Deus, pois se houvesse apenas aquela cuja descrição e acesso me parecem incompreensíveis, eu não poderia ingressar...”
A Pequena Via da Infância espiritual
Maria Eugênio, ocd
O perigo é grande e nem sempre foi evitado, de confundir esta pequenez aparente com certa arte fácil de acomodar as exigências da santidade à fraqueza infantil, e à lei preguiçosa do menor esforço, de reduzir a simplicidade a uma mediocridade sorridente e a uma banalidade piegas. (p. 93)
A confiança e a pobreza (bases da pequena vida) atraem irresistivelmente o amor. Esta lei se confirma em Teresa à medida que se desenvolve a experiência do amor, mais provavelmente com mais força e intensidade do que claridade, pelo menos no começo.
Eis que numa data que é difícil precisar, mas parece que naquele período de luzes que vai da oferenda ao Amor misericordioso (9 de junho de 1895) à provação contra a fé (Páscoa de 1896), brilha em sua alma uma luz que terá uma importância considerável:
"Quero procurar o meio de ir para o céu por uma trilha muito reta, muito curta, uma trilha totalmente nova. Estamos num século de invenções, agora não se precisa mais ter o trabalho de subir os degraus de uma escada, na casa dos ricos ela é substituída vantajosamente por um elevador... "Então procurei nos livros santos a indicação do elevador, objeto de meu desejo, e li estas palavras saídas da boca da Sabedoria Eterna: 'Quem for pequenino venha a mim'...
Querendo saber, ó meu Deus, o que faríeis ao pequenino que respondesse ao vosso apelo, continuei minhas pesquisas e eis o que encontrei: 'Como uma mãe acaricia seu filho, assim vos consolarei, eu vos carregarei em meu peito evos balançarei em meu colo”
Ah! jamais palavras mais ternas, mais melodiosas tinham alegrado minha alma, o elevador que deve me alçar até ao céu são vossos braços, ó Jesus! Para isso, não preciso crescer; pelo contrário, devo continuar pequena, devo sê-lo cada vez mais”.
Teresa certamente também medita na cena evangélica na qual Jesus mostra uma criança aos apóstolos e proclama a necessidade de se lhe assemelhar para entrar no reino dos céus: "Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus”.
Estes textos escriturísticos se iluminam de modo extraordinário aos olhos de Santa Teresa do Menino Jesus. A luz que se acende vem confirmar e harmonizar aspirações e convicções, senão confusas pelo menos imperfeitamente explicitadas; num instante polariza esses elementos ainda esparsos e de alguma forma encarna a doutrina teresiana numa forma viva, clara e simples: a da criancinha que se torna o modelo perfeito a imitar e a realizar.
Claro, esta luz encontra disposições naturais extremamente favoráveis em Santa Teresa do Menino Jesus. Jamais a graça terá vindo tão harmoniosa para aperfeiçoar a natureza! Teresa sempre foi pequenina: na família com a qual viveu sob a tutela afetuosa das irmãs mais velhas, como a última de nove filhos, e no Carmelo onde, precedida por duas irmãs, chegada aos quinze anos e morta aos vinte e quatro, nunca passou de mais velha do Noviciado e não pôde chegar à maioridade canônica que confere o exercício dos direitos da profissão religiosa. Sempre foi a "Teresinha" por situação familiar e social; permanecerá assim sobrenaturalmente e até no céu,
por uma graça que a fez compreender com uma lógica rigorosa e absoluta o modelo apresentado por Jesus a seus mais íntimos discípulos.
Teresa pode facilmente imitar as atitudes exteriores da criança, até adotar sua linguagem. Não nos deixemos enganar por estas formas exteriores que não são elementos essenciais da infância e que poderiam até favorecer sua deformação. A criança que Santa Teresa toma e apresenta como modelo não é aquele serzinho frágil que, pelos seus encantos atraentes, impõe seus desejos e caprichos, mas aquela que ela própria assim descreve:
Ser criança "é reconhecer seu nada, esperar tudo de Deus, como uma criancinha espera tudo do pai; é não se pertur
bar com nada, não juntar fortuna...”
"Ser pequeno é também não atribuir a si mesma as virtudes que pratica, julgando-se capaz de alguma coisa, mas reconhecer que Deus coloca esse tesouro na mão de seu filhinho para que se sirva quando precisar; mas ele pertence sempre a Deus..."
Santa Teresa do Menino Jesus, nesta declaração importante, indica a disposição fundamental da infância espiritual. É pela pobreza confiante ciosamente conservada e protegida contra a apropriação de todos os falsos bens, nem que fossem as virtudes, que a infância espiritual vai construir toda a ordem da vida sobrenatural e regular suas manifestações.
Primeiro, mostra o instinto filial da graça santificante; esta criança que encontrou seu lugar na Santíssima Trindade não mais suporta separar-se de seu Pai: Deus. Se sobrevém uma dificuldade, se uma tarefa mais importante lhe é confiada, por instinto vai "aos braços de Deus, como uma criancinha e (esconde seu) rosto com os cabelos".
Sua oração consiste em olhar para Deus de mais perto, esforçar-se por conhecê-lo melhor através dos gestos e das palavras dele que os Livros Santos nos mostram.
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Esta procura filial de Deus, por ser guiada pela graça e não por uma necessidade natural de carinhos, submete-se às leis da ordem natural que regem nossas relações com Deus. Apóia-se nas certezas da fé para perseverar na busca, mas aceita amorosamente o véu de obscuridade que a fé mantém, aqui no mundo, sobre as realidades sobrenaturais que revela. Teresa não quer despertar o Senhor neste silêncio da noite que parece um sono e às vezes a imobilidade da morte. Como só é ávida da verdade, não quer falsas representações do Além, nem mesmo manifestações sobrenaturais que não passam de analogias.
A simplicidade e a pureza sobrenaturais desta atitude filial e deste olhar obstinadamente fixo em Deus, acima de todas as nuvens e de todas as figuras, faz desta criança uma sublime contemplativa que penetra os mais altos atributos divinos e deles se apossa.
São João da Cruz frisa que a alma cativa Deus pela pureza de seu olhar e, acrescenta, por um fio de cabelo que é o cabelo do forte amor trançando as virtudes entre si.”
Santa Teresa do Menino Jesus, que compreendeu o primeiro traço, acentua o segundo em uma carta a Leônia, aplicando-a à atividade do amor em seu caminho da infância:
"Saibamos pois, escreve-lhe, guardá-lo prisioneiro, este Deus que se torna o mendigo de nosso amor. Dizendo-nos que é um fio de cabelo que pode operar esse prodígio, mostra-nos que as menores ações praticadas por amor são as que encantam seu coração... Ah! se fosse preciso fazer grandes coisas, como teríamos de lamentar!... Mas como somos felizes, já que Jesus se deixa prender pelas menos Consciente de sua fraqueza, Teresa não se deixará levar na direção da ascese brilhante que reveste aparências de força ou de heroísmo. A cruzinha de ferro que a fez ficar doente vem lhe dar uma luz definitiva, precisando e autenticando o que sentia interiormente.
Deve, então, por causa de sua pequenez, recusar qualquer esforço? Não, é claro. Tudo o que Deus lhe impõe pelas leis, os acontecimentos, os deveres de estado, é prova e mensagem de seu amor. Sua fraqueza não tem direito de ficar com medo, mesmo que a tarefa ultrapasse as forças humanas, pois Deus sempre dá graça e força para se fazer o que ele pede. Então, com que atenção vigilante ela vai recolher todos os seus divinos desejos, até os menores, com que fidelidade escrupulosa e que cuidado de perfeição até os detalhes ela vai realizar os grandes e os mais humildes deveres da vida cotidiana para assim expressar seu amor continuamente a Deus:
"Não tenho outro meio de te provar meu amor, diz a Jesus, a não ser atirar flores, isto é, não deixar escapar nenhum sacrificiozinho, nenhum olhar, nenhuma palavra, aproveitar todas as menores coisas e fazê-las por amor... Quero sofrer por amor e até mesmo gozar por amor, assim atirarei flores diante de seu trono; não deixarei uma sem despetalar por ti..."'
Tal é o heroísmo da pequenez, todo impregnado de amor, ao qual Deus nunca deixa de fornecer o alimento cotidiano adaptado às suas forças e necessário a seu desenvolvimento desde as alfinetadinhas do começo da vida religiosa até às dolorosas purificações e às últimas provações que vão assegurar a consumação.
Dessas provações, Teresa esconde o sofrimento sob um sorriso. Não é o sorriso o adorno do rosto da criança?
"Eu cantarei, escreve... cantarei, mesmo que tiver que colher minhas flores no meio dos espinhos e meu canto será tanto mais melodioso quanto mais compridos e picantes forem os espinhos".
Esconder os sofrimentos para os outros não sentirem é um ato de caridade delicada. Santa Teresa gosta desta virtude de maneira especial, "pois ama-se a Deus na medida em que se a pratica", e porque ela é a virtude de Deus que é Amor. Há de praticá-la com um zelo especial e recomendá-la nas últimas páginas que escreveria aqui na terra.
Eis o ensinamento prático de Teresa do Menino Jesus, mensagem de uma criança, de um "pobre pequeno nada e nada mais","
que nos diz que Deus é Amor, que Deus quer propagar as chamas de seu amor em nossas almas e que podemos ser transformados e consumidos pelo seu amor, fazendo-nos "humildes e pequeninos nos braços de Deus, conscientes de nossa fraqueza e confian
tes ataudácia em sua bondade de Pai".

Fonte: Maria EUGÊNIO.
Teu Amor Cresceu Comigo: Teresa de Lisieux: Gênio Espiritual. Paulus, São Paulo 1995, p. 105-110.

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