Queridos irmãos e irmãs
Dia 15 de Outubro tivemos com muita alegria a celebração do
encerramento do Ano Jubilar dos 500 anos do nascimento de Santa Teresa de
Jesus. O Arcebispo de Belém, Dom Alberto Taveira Correa presidiu a celebração
com muitos outros sacerdotes e diáconos. Foi numerosa a participação dos fiéis,
o que nos deu muita alegria. Esperamos que a Santa Madre se torne mais
conhecida do povo de Benevides e Belém.
E no dia 18 tivemos a alegria de assistir pela TV a
canonização dos pais de Santa Teresinha, Luiz e Zélia Martin, no Vaticano. È o
primeiro casal canonizado. Uma alegria para toda a Igreja e para as família,
encontrando neles um modelo de vida santa.
Vai abaixo a carta do Superior Geral da Ordem do Camelo
Teresiano por ocasião desse evanto:
No dia 18 de outubro, na praça de S. Pedro, o papa Francisco inscreveu
solenemente o casal Luis Martin e Zélia Guerin, pais de Santa Teresa do Menino
Jesus e da Santa Face, no cânone dos Santos, que a Igreja propõe como exemplos
de vida cristã ais fiéis de todo o mundo, para que se tornem fonte de
inspiração e companheiros de caminho dos quais recebe impulso, luz e conforto.
É motivo de grande alegria e gratidão ao Senhor por todos nós, que acabamos de
concluir a celebração do V Centenário do nascimento de Santa Teresa de Ávila,
mãe da nossa família religiosa, na qual a mesma Igreja reconhece um lugar
particularmente rico de testemunhos credíveis da beleza e do amor de Deus.
Esta canonização é um ulterior sinal que o Senhor nos dá para corroborar a
nossa fé e restituir impulso ao nosso caminho de carmelitas, chamados a
experimentar a “ternura combativa” do Esposo (cf Evangelii gaudium 85), que com
o seu amor quer acender a esperança nos corações de todos os homens. Vivemos um
período histórico assinalado por uma profunda transformação, que toca todos os
âmbitos da vida humana – costumes, cultura, religião, sociedade, economia – a
um nível global, provocando tensões e medos. Nascem sentimentos de insegurança
e desconfiança recíproca, criam-se situações de injustiça e instabilidade, que
metem a dura prova a convivência pacífica e a confiança entre as pessoas,
essencial para um caminho comum e fecundo.
A visão bíblica do homem, na duplicidade do seu ser masculino e feminino, e a
compreensão do seu significado em ordem à vida não são mais património comum
mas, ao contrário, estão metidos em discussão. Ao centro desta batalha pela
vida está a família natural, fundada sobre o simples reconhecimento da
diferença providencial entre homem e mulher que permite, no interior de uma
relação de aliança baseada sobre o amor recíproco, gerar, guardar e fazer
crescer a vida humana, não somente por si, mas por todo o ser humano.
A canonização do casal Martin é um sinal dos tempos que se deve interrogar
profundamente porque tem um valor epocal. De facto a Igreja guiada pelo
Espírito, decidiu – pela primeira vez na história – de canonizar juntamente um
casal de esposos, durante a celebração da XIV Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos, que tem por tema a vocação e missão da família na Igreja e
no mundo contemporâneo, no domingo dedicado à Jornada missionária mundial.
Uma família exemplar?
Já passou um século e meio desde que Luis e Zélia, à meia-noite do 12 julho de
1858, se casaram em Alençon, e muitas coisas estão radicalmente mudadas, quer
na Igreja quer na cultura europeia. Em que sentido o seu matrimónio e a
história da sua família podem ser exemplares para os nossos dias, quando o
mesmo modelo de família e a praxis prevalente estão tão longe daquilo que era
por eles acreditado e vivido?
Antes de tudo, é preciso libertar-se dos preconceitos e dos clichés culturais
que catalogam imediatamente como antiquado e obsoleto tudo quanto pertence ao
universo oitocentista. Se olhamos de perto a vida da família Martin, vemos um
homem e uma mulher que viveram uma história comum, marcada de acontecimentos
nos quais ainda hoje se podem reconhecer, porque simplesmente humanos: já não
tão jovens segundo os parâmetros da época (quando se conheceram – e poucos meses
depois casaram-se – ela tinha 27 anos e ele 35), uniram-se em matrimónio e põem
em comum a sua vida, aprendendo dia após dia a partilhar as capacidades,
responsabilidades, trabalhos, alegrias e dores. Luis tinha um negócio de
relojoaria, Zélia tinha iniciado sozinha uma empresa de produção da famosa
renda de Alençon. Os seus respectivos trabalhos garantiam um certo desafogo,
que não era vivido nem com ostentação nem com apreensão, embora a um certo
momento as condições socioeconómicas se tornassem difíceis pelas consequências
da guerra entre a França e a Prússia (1870-1871). Trabalharam os dois, tiveram
nove filhos, cuidaram deles e enfrentaram o luto pela morte de quatro deles em
tenra idade; tal não foi certamente fácil, sobretudo para Zélia, mulher empreendedora,
que tinha a responsabilidade de dar trabalho e o respectivo sustento às suas
trabalhadoras e respectivas famílias. Luis esteve sempre ao seu lado, lutando
juntamente com a mulher, com serenidade e doçura, dando-lhe o conforto da sua
constante presença e escolhendo, até certo ponto, colocar de lado o trabalho
para vir ao encontro das exigências da esposa, que via sempre mais cansada, e
ajudá-la a levar para a frente a sua empresa, sobretudo quando apareceu a
doença que a atingiu ainda muito jovem, levando-a à morte no ano 1877, com
apenas 46 anos.
Luis encontrou-se assim a viver a situação de viúvo até à morte, vinda 16 anos
depois, a seguir a uma humilhante doença que atingiu as suas faculdades
mentais. Sustentou as cinco filhas e a sua educação, dando-se por inteiro e
decidindo transferir-se de Alençon para Lisieux, deslocando-se para poder dar
às filhas a possibilidade de ser seguidas pela tia Celina, com quem existia uma
relação de estima e afecto. As cinco entraram no mosteiro. Acompanhá-las neste
passo – sobretudo a pequena Teresa, a predilecta – não foi para ele um pequeno
sacrifício, mas viu-o como generoso acto de oferta da sua vida e dos seus
filhos a Deus, assim como tinha sempre feito juntamente com Zélia. Por outro
lado, para a sua família tinha escolhido o lema de Joana d’Arc, Deus é o
primeiro servido.
O matrimónio: vocação e amizade
O breve elenco de alguns traços concretos da experiência familiar de Luis e
Zélia permite-nos colher facilmente as analogias com a experiência de tantas
famílias que hoje devem afrontar dificuldades económicas, conciliar o ritmo
frenético da actividade operária com a educação dos filhos, dar um sentido aos
sofrimentos que inevitavelmente batem à porta, metendo em risco a harmonia
familiar. Mas o motivo pelo qual a Igreja retém como exemplar o seu testemunho
de vida conjugal é bem mais profundo e diz respeito à verdade do amor humano no
desígnio divino da criação.
Se vamos à raiz da sua experiência, encontramos em seguida dois traços que os
tornam actuais para ilustrar como pode “funcionar” uma relação de amor e dizer
assim uma palavra de esperança aos casais, sobretudo jovens, que estão
desencorajados pelo exemplo de tantos naufrágios e, mesmo conservando no
coração o desejo, não acreditam ser mais possível a fidelidade, resignando-se
de tal modo a uma baixa fasquia de vida.
O primeiro é viver o encontro com o outro e o matrimónio como vocação. A isto
Luis e Zélia foram preparados pela sua história, dado que os dois tinham
pensado viver a sua vida cristã consagrando-se a Deus. Não é este traço,
obviamente, a ser exemplar, mas a sensibilidade e a atitude a perceber e
conceber a própria existência como um diálogo com o próprio Criador, que tem um
desígnio bom e enche o caminho de sinais que indicam, com um olhar atento, qual
é o caminho para saciar a sede do próprio coração. É somente recebendo-se como
um dom que vem da parte de Deus e aprendendo a olhar o outro como rosto do amor
do Pai, que é possível construir a própria casa sobre um fundamento estável. Isto
foi claro a Zélia quando, vendo aproximar-se o seu futuro marido enquanto
percorriam em sentido oposto a ponte de São Leonardo de Alençon, sentiu ressoar
em si uma voz que lhe dizia: «Este é o homem que preparei para ti».
O segundo traço é uma directa consequência deste olhar e abertura do coração:
viver a relação com a própria mulher /com o próprio marido como uma relação de
amor. A estima e o respeito que vem da espontaneidade do reconhecer-se
gratuitamente como aliados e do prazer de ser para o outro uma ajuda, contém a
paciência, a humildade, a tenacidade, a ternura, a confiança e a curiosidade
necessárias para que uma relação não degenere na procura de si no outro, na
tentativa de exercitar um poder, no desgaste da rotina. Em expressões como
estas: «Sigo-te em espírito durante toda a jornada; digo-me: “Neste momento faz
tal coisa”. Não vejo o momento de estar próxima de ti, meu querido Luis; amo-te
com todo o meu coração e sinto ainda redobrar o meu carinho por ti ao ver-me
privada da tua presença; ser-me-ia impossível viver longe de ti» (Cartas
familiares 108); «Eu estou sempre felicíssima com ele, torna-me a vida muito
serena. O meu marido é um santo homem, auguro um igual a todas as mulheres: eis
o augúrio que lhes faço para o novo ano» (Cartas familiares 1); ou então, «o
teu marido é verdadeiro amigo, que te ama mais que a vida», não há nada de
adocicado, mas a expressão dá consistência de um afecto sincero.
As diferentes sensibilidades, os tantos pequenos pormenores da vida conjugal,
que às vezes produzem pouco a pouco uma distância e arrefecem a intimidade,
também foram vividos por Luis e Zélia como as ocasiões para exercitar um olhar
carregado de simpatia e terno acolhimento das diferenças, como transparece
neste texto: «Quando receberes esta carta, estarei ocupada a meter em ordem o
teu banco de trabalho; não te deverás irritar, nem perderei nada, nem mesmo um
velho quadrante, nem um bocado de mola, enfim nada, e depois estará tudo limpo
por cima e por baixo! Não poderás dizer que “só mudei o lugar ao pó”, porque
não há mais (…). Abraço-te de todo o coração; hoje, ao pensar que te vou
reencontrar, estou tão feliz que nem consigo trabalhar. A tua mulher que te ama
mais que a sua própria vida» (Cartas familiares 46).
A transmissão da vida: gerar e educar
Ao início, para Zélia e Luis, viver o matrimónio e abrir-se à vida não foi
fácil. Para eles tratava-se de compreender que, amar a Deus com todo o coração,
passava pela doação e entrega de si mesmos ao cônjuge, para que assim Deus Pai
pudesse tomar conta da sua criação, continuando a edificar a sua Igreja como
família dos filhos de Deus. Foi a sinceridade da sua procura da vontade de
Deus, e a docilidade aos conselhos de um sacerdote que os acompanhava, que os
fez compreender a beleza da vocação matrimonial, que pensavam viver na
continência. Foram nove os filhos que nasceram da sua união enchendo de alegria
as suas vidas: «Quando tivemos os nossos filhos, as nossas ideias mudaram um
pouco: não vivíamos mais do que para eles, esta era a nossa felicidade e não a
encontramos senão neles. Enfim, tudo nos resultava em grande felicidade, o
mundo não nos pesava. Para mim era a grande retribuição, por isso desejei ter
muitos, para criá-los para o Céu. Entre eles, quatro estão já bem instalados e
os outros, sim. E os outros também caminharão para aquele Reino celeste, cheios
de maiores méritos, pois terão combatido mais tempo» (Cartas familiares 192).
Nesta passagem transparecem alguns aspectos centrais do modo de viver a relação
com os filhos, que hoje as famílias têm necessidade de redescobrir: o
nascimento de um filho como um dom, sempre – ainda que a sua vida seja breve ou
atormentada – porque vem de Deus e conduz a Deus. Educar significa então
introduzir no conhecimento da própria origem: o Pai, e ensinar a desejar o céu
e a viver a existência – as fadigas, o compromisso, os sofrimentos – como uma
preparação, algo de precioso se aceite com confiança e amor como passo de um
caminho que conduz à meta, valorizando a pessoa.
Tudo isto é convincente e torna-se verdade que plasma a consciência e dá vigor
ao caminho, quando os filhos possam a vê-lo e quase respirá-lo na carne dos
próprios pais como aquilo que dá sentido ao tempo e às actividades. A aspiração
de Zélia à santidade, para si e para os próprios queridos, era constante, mesmo
no conhecimento das próprias limitações e do tempo perdido: «Quero fazer-me
santa: não será fácil, há muito que desbastar e o tronco é duro como uma pedra.
Teria sido melhor iniciar antes, enquanto era menos difícil, mas, enfim, “é
melhor tarde que nunca”» (Cartas familiares 110). Escreve ao irmão: «Vejo com
prazer que és muito estimado em Lisieux: estás a tornar-te uma pessoa de
mérito; fico feliz por isso, mas antes de tudo desejo que sejas santo» (Cartas
familiares 116). Também diante da filha de carácter difícil, Leónia, que na
escola haviam definido como “uma menina terrível”, mesmo no penoso conhecimento
dos seus grandes limites – «a pobre menina é coberta de defeitos como de um
manto. Não se sabe como tomá-la» (Cartas familiares 185) – não falta a
confiança alimentada da fé na bondade de Deus e do abandono ao seu desígnio de
salvação: «O bom Deus é assim misericordioso como sempre esperei e continuo a
esperar».
Conhecemos bem, pelo testemunho de Santa Teresinha, a grande intimidade de Luis
com Deus e como esta transparece no seu rosto: «às vezes os seus olhos
faziam-se lúcidos de comoção, e ele esforçava-se por conter as lágrimas;
parecia não estar mais ligado à terra, já que a sua alma tanto se imergia nas
verdades eternas» (Manuscrito A, 60); «bastava-me olhá-lo para saber como rezam
os santos» (Manuscrito A, 63). Durante a sua doença, nos momentos de
conhecimento, embora sentindo-se humilhado, Luis repetia: «Tudo para a maior
glória de Deus!»
Num clima deste género, o espiritual é substância da vida e as coisas
iluminam-se na perspectiva da eternidade, de uma maneira “natural”. A família
pode readquirir assim a sua característica original, frequentemente desprezada
nos nossos dias, de ser «o primeiro lugar onde aprendemos a comunicar»,
entendendo «a comunicação como descoberta e construção de proximidade»
(Mensagem do Santo Padre Francisco para 49a Jornada Mundial das Comunicações
Sociais, 17 de maio 2015).
Um casal sensível, acolhedor e generoso
A atenção ao outro e a gratidão por ser como cada um é exercitados na relação
conjugal e continuados no cuidado pelo crescimento moral e espiritual dos
filhos, tinha na família Martin um importante complemento: a caridade generosa,
o acolhimento dos pobres, a atenção aos necessitados. O amor a Deus, quando
existe, é inseparavelmente amor ao próximo e, de modo especial, para quem
necessita de ajuda. São muitos os episódios nos quais sobressai com clareza na
vida de Zélia e Luis a beleza desta dedicação para com o próximo – a partir das
operárias que trabalham na própria empresa de rendas, tratadas como filhas (Cf.
Cartas familiares 29) – porque são a carne de Cristo, pessoas que estão
particularmente no coração de Deus (Cf Evangelii gaudium 24.178). É uma atenção
à pessoa inteira, ao seu corpo e à sua alma, que se torna justiça retributiva,
partilha da própria mesa, procura de cuidados e de um leito para os sem tecto,
preocupação de dar o conforto da proximidade sensível de Deus no momento da
passagem encontrando um sacerdote, generosidade na ajuda económica a um irmão
em dificuldade, prazer em estar ao serviço da alegria do outros, solidariedade
no sofrimento de quem é atingido por um luto, visita aos enfermos.
A atenção aos pobres da parte do casal Martin faz parte de um estilo de pobreza
que influencia o espírito das filhas que o lêem como sinal concreto da presença
de Jesus e da verdade do seu Evangelho. A sua sobriedade não é desleixo, mas
atitude que contrasta com a tendência do coração a fechar-se na avareza do
próprio tempo, das próprias energias, dos próprios recursos espirituais e
materiais. A alegria da pobreza que os torna ricos de humanidade, alimenta-se
na experiência de ter a própria riqueza no acolher a graça de Cristo,
reconhecendo as próprias debilidades e culpas, recebendo a misericórdia de
Deus, para viver em união com Ele, solidários com os irmãos, diante dos quais
se têm sentimentos de misericórdia: «Meu Deus, quanto é triste uma casa sem
religião! Como vos aparece assustadora a morte! […] Espero que o bom Deus tenha
piedade desta pobre mulher; ela foi assim mal criada mas é muito desculpável»
(Cartas familiares 145); «Reza muito a São José pelo pai da criada que está
gravemente doente; lamentar-me-ia muito que aquele coitado morresse sem se
confessar» (Cartas familiares 195); «Tive tantas fadigas que adoeci pela minha
vez […] contudo precisava que ficasse em pé uma parte das noites a curar a
criada» (Cartas familiares 123); «Insisto tanto que o meu marido se decidiu a
vender uma parte dos seus títulos do Crédito de Fundos, com uma perda de mil e
trezentos francos sobre onze mil ganhos. Se o meu irmão tem necessidade de
dinheiro que me peça depressa e me diga se é necessário vender o resto» (Cartas
familiares 68); «Pedi-lhe para vir aqui todas as vezes que tivesse necessidade
de qualquer coisa, mas nunca veio. Finalmente, ao princípio do inverno, e
estava muito frio, uma criada encontrou o teu pai: tinha os pés descalços e
batia os dentes. Vencido pela piedade por aquele desgraçado, empreendeu toda a
espécie de estratégias para o fazer entrar no Hospício. […] Teu pai não se deu
por vencido: tinha a peito esta situação e apontou de novo todas as baterias
para fazê-lo entrar na casa dos Inválidos» (Cartas familiares 175).
A fonte da sua santidade de vida
Na homilia na Vigília de oração pelo Sínodo sobre a família celebrada na Praça
de São Pedro a 3 de outubro passado, o Papa disse: «Para compreender hoje a
família, entremos no mistério da Família de Nazaré, na sua vida escondida,
normal e comum, como a da maior parte das nossas famílias, com as suas penas e
as suas simples alegrias; vida feita de serena paciência nas contrariedades, de
respeito pela condição de cada um, daquela humildade que liberta e floresce no
serviço; vida de fraternidade que brota do sentir-se parte de um único corpo. É
lugar – a família – de santidade evangélica, realizada nas condições mais
normais. Aí se respira a memória das gerações e se aprofundam as raízes que
permitem ir longe. É lugar de discernimento, onde se educa a reconhecer o
desígnio de Deus sobre a própria vida e a abraça-lo com confiança. É lugar de
gratuidade, de presença discreta, fraterna e solidária, que ensina a sair de si
mesmos para acolher o outro, para perdoar e ser perdoados».
Esta descrição dá-nos a medida da contemporaneidade da família Martin. A sua
canonização mostra a todas as famílias, em primeiro lugar às cristãs, a beleza
extraordinária das coisas ordinárias, quando a própria história vem recebida
das mãos de Deus e Lha oferecemos com a serena certeza de que «a coisa mais
sábia e mais simples em tudo isto é abandonar-se à vontade de Deus e
preparar-se de antemão para levar a própria cruz o mais corajosamente possível»
(Cartas familiares 51), metendo-se «na disposição de aceitar generosamente a
vontade de Deus, qualquer que ela seja, pois será sempre aquilo que será melhor
para nós» (Cartas familiares 204).
A paz interior, a confiante tenacidade em assumir positivamente os desafios que
a vida nos põe à frente, a capacidade de viver as relações com generosidade
colocando no centro a outra pessoa na sua unicidade, que caracterizaram a
experiência matrimonial de Luis e Zélia e a sua relação com os filhos, não são
frutos de dons especiais ou de experiências místicas. Brotam, sobretudo, de
levar na com seriedade a vontade de Deus pondo-se serenamente em discussão e de
viver profundamente a vida da Igreja, recebendo quotidianamente a graça do
sacramento eucarístico e reforçando a ligação com Jesus na adoração do seu amor
fiel e constantemente oferecido na Hóstia consagrada, rezando pessoalmente e
como família reunidos à volta da Virgem Maria, participando na atividade
caritativa da paróquia com alegre disponibilidade mesmo no meio de tantos
compromissos. E em tudo isto ter sempre tempo para escutar as filhas, dispostos
a corrigi-las com firmeza e suavidade, narrar-lhes a vida de Jesus, tomar
cuidado da sua interioridade criando espaço para Deus com uma atitude de
confiante abandono na sua presença misteriosa e concreta. Sentir-se olhados com
admirável espanto e respeitados na própria individualidade irrepetível,
reconhecidos como um bem incondicional, mesmo quando a própria condição seja
fonte de sofrimento, é um patrimônio de bem-estar e positividade impagável e
indestrutível para a pessoa que o recebe. É a experiência humana que mais se
avizinha ao olhar de Deus e que por isso abre a porta do coração e o habilita a
percorrer os caminhos da santidade, como a história desta família demonstra
claramente.
A procura assídua da intimidade com o Senhor e com Maria, vivida exemplarmente
por Luis e Zélia, é a mensagem mais preciosa deixada em herança às próprias
filhas e a nós filhos de Santa Teresa. Na sua canonização podemos acolher o
convite dirigido ao Carmelo Teresiano a ser mais família, a descobrir a beleza
e a importância das nossas responsabilidades quotidianas, aprendendo
humildemente das famílias, que vivem com empenho a própria vocação e missão.
É para nós de grande encorajamento constatar que verdadeiramente «de um “sim”
pronunciado com fé nascem consequências que vão para além de nós mesmos e se
expandem no mundo». Olhando para o casal Martin e para os frutos visíveis de
santidade do seu ser um só coração e uma só alma, damo-nos mais conta que,
aprendendo a comunicar, tornámo-nos «comunidade que sabe acompanhar, festejar e
frutificar», e compreendemos que «a família mais bela, protagonista e não
problema, é aquela que sabe comunicar, partindo do testemunho, da beleza e
riqueza da relação entre homem e mulher, e daquele entre pais e filhos»
(Mensagem do Santo Padre Francisco para a 49a Jornada Mundial das Comunicações
Sociais, 17 de maio 2015).
O meu desejo é que a partir da graça que recebemos através desta canonização,
nos empenhemos a conhecer de perto, também através da leitura da sua
correspondência, o testemunho deste casal e nos insiramos criativamente no
caminho que a Igreja está traçando, convidando-nos a redescobrir a família como
sujeito imprescindível para a evangelização e escola de humanidade.
P. Saverio Cannistrà
Prepósito Geral -