domingo, 15 de abril de 2018

A CONTEMPLAÇÃO SEGUNDO SANTA TERESA DE JESUS

Queridos irmãos e irmãs

Neste 3º domingo da Páscoa em que os apóstolos, perplexos, contemplavam o Cristo Ressuscitado que apareceu no meio deles enquanto faziam uma refeição, e lhes mostrou as chagas e lhes pediu um alimento, e lhes falou palavras divinas sobre Sua Pessoa, partilho convosco o que pesquisei no Dicionário de Santa Teresa quando fala da Contemplação. O que é a contemplação para Santa Teresa de Jesus. Vejamos:

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CONTEMPLAÇÃO

1. Em geral

Teresa entende por “contemplação” uma forma de oração superior a meditação e estruturalmente diversa desta. A meditação é discursiva. A contemplação não, é antes intuitiva. Aquela é racional, fundamentalmente obra do entendimento e orientado para a vontade e a ação. A contemplação afeta diretamente a vontade e envolve toda a pessoa do orante, a toda a sua afetividade anímica, num simples fluxo de atividade e passividade. Realiza uma especial relação do homem com Deus, prepara a união mística e perdura nos altos graus da mesma. Teresa distinguirá os atos ou momentos passageiros de contemplação, e o “estado de contemplação”, que coincidirá nos escritos teresianos com os altos graus da experiência mística, quando o sujeito se sensibilizou e co-naturalizou com a presença e a ação de Deus nele.
Embora sem lhe dar o nome de “contemplação”, Teresa dedica-lhe uma espécie de instantânea descritiva no primeiro capítulo do Livro da Vida, ao recordar a eclosão de sua sensibilidade infantil, pensando na eternidade ou abandonando-se ao desejo de ver a Deus: Espantava-nos muito a afirmação, no que líamos, de que a pena e a glória eram para sempre. Ocorria de passarmos muito tempo tratando disso e nos agradava dizer muitas vezes: para sempre, sempre, sempre! Por dizer isso muito devagar, ficava impresso em mim, em tão tenra idade, o caminho da verdade” (1,4). Sublinhei os vocábulos mais indicativos da modulação contemplativa infantil: “espantava-nos muito” (assombro), “passar muito tempo” (enlevo prolongado), “caminho da verdade impresso em mim” (índice inicial de infusão ou de passividade contemplativa).
Rara vez ela aludirá ao ato natural de contemplar algo, como a paisagem ou a água ou o rosto de uma criança. Atesta-o somente de passagem: “Eu também me beneficiava de ver campos, águas, flores; encontrava nessas coisas a lembrança do Criador, isto é, elas me despertavam e me recolhiam, servindo-me de livros” (V 9,5; na R 1,11 completa a série: “quando vejo alguma coisa formosa, rica, como água campos, flores, odores, música...”, mas nesta passagem já os transcendendo desde a alta contemplação do divino).
 Do ponto de vista psicológico, na contemplação - segundo ela - estão “atados” o entendimento e a fantasia. É clássico seu momento de auto-análise: “Este entendimento [abarca a entendimento e imaginação] está tão perdido [na contemplação], que não parece senão um louco furioso, que ninguém pode atar, nem sou senhora de fazê-lo estar quieto um credo... Conheço mais então a grandíssima mercê que me faz o Senhor quando tem atado este louco em perfeita contemplação” (V 30,16) do ponto de vista pedagógico, no magistério teresiano há dois modos de superar e discorrer da meditação: uma, com a simples superação da oração discursiva, que ela chama “recolhimento” ou “oração de recolhimento”, e a outra já em “contemplação mística” que ela alguma rara vez designará com o termo teológico latinizante “infusa”: “luz infusa” (M 6,9,4), “resplendor infuso” (V 28,5), “sabedoria infundida” (C 6,9). Só para esta reserva o nome de “contemplação”. Costuma qualificá-la de “contemplação perfeita” (V 22 passim; C 16; 25,1; 27-28; M 6,7,7; F 4,8...); em seus graus místicos mais elevados: “subida contemplação” ou “subidíssima contemplação” (V 8,11; 22 tít...; CE 60,2), “cume de contemplação” (V 22,7; Conc 5,3).
As notas características da contemplação infusa são, segundo ela, do ponto de vista psicológico, a fixação da mente em qualquer um dos aspectos do “mistério”, com a conseqüente cessação do fluxo de pensamentos de imagens: Teresa titubeia entre as duas fórmulas “o entendimento não discorre” ou “não obra”, ainda que esta última corrigi-la-ão os teólogos censores. Mais importante é sua origem: do ponto de vista genético, “é coisa dada por Deus” (C 17,2), “coisa sobrenatural” (V 23,5...); ou seja, é pura iniciativa de Deus em nós, pura graça: “sem o rumor das palavras, esse Mestre divino está lhe ensinando, suspendendo-lhe a atividade do intelecto, porque esta, nessa circunstância, antes prejudicaria que beneficiaria; a alma goza sem entender como. Ela está abrasando-se em amor e não entende como ama; sente deleitar-se naquilo que ama e não sabe como Ela bem entende que o seu intelecto nunca alcançaria esse prazer; é tomada por uma intensa vontade sem compreender como... Ele é dom do Senhor do céu e da terra, que o dá como quem é. Esta, filhas, é a contemplação perfeita” (C 25,2). Teresa insiste repetidas vezes em que não existem técnicas oracionais que produzam este gênero de contemplação ou introduzam nela. Em nítida contraposição com as duas formas de oração mental e vocal: “pensar e rezar.. Nessas duas coisas, também podemos fazer alguma coisa, com o favor de Deus; na contemplação de que acabei de falar, nada está ao nosso alcance: Sua Majestade é quem faz tudo, pois é obra Sua, que está além da nossa natureza” (ib 3).

2. O ingresso na contemplação

É tradicional a graduação da oração em três etapas sucessivas: vocal, mental-meditativa, contemplação. Também Teresa mantém essa sucessão, com certa perspectiva cronológica ou pedagógica (C 25). Mas sem caráter inflexível. Ao contrário, está convencida de que é na graça da contemplação mística, onde Deus manifesta mais ostensivamente sua gratuidade incondicional. É muito possível a passagem da oração vocal à contemplativa: “Digo-vos que é muito possível que estando rezando o Pai Nosso vos ponha o Senhor em contemplação perfeita” (C 25,1: reiterado em C 30,7).
De fato, “algumas vezes, Deus vai querer conceder a pessoas em mau estado esse enorme favor, a fim de tirá-las, por esse meio, das mãos do demônio” (C 16,6). Ele pode “algumas vezes elevar uma alma distraída à perfeita contemplação” (é o título do c. 16 de C). “há almas que Deus entende poder, por esse meio, atrair para Si; vendo-as totalmente perdidas, não quer Sua Majestade que algo lhes falte de Sua parte. Ainda que estejam em mau estado e carentes de virtudes, Ele lhes dá gostos, consolos... chegando até a pô-las em contemplação, mas raras vezes e por pouco tempo... (C 16,8). Seria, segundo ela, o caso de São Paulo no caminho de Damasco (“a São Paulo o pôs logo no cume da contemplação”: Conc 5,3). Mais freqüentemente, como testemunhas dessa espécie de exceção, proporá a são Paulo e a Madalena (C 40,3; M 1,1,3). São mostras excepcionais da liberdade e gratuidade absolutas com que Ele outorga “a quem quer” o dom da contemplação. Contudo, o normal é que a conceda a quem se dispôs adequadamente para receber esse dom de Deus.
A Santa assinalou o momento de ingresso na contemplação em três passagens diversas: a) no Livro da Vida c. 10; b) no Caminho, 28 e ss.; c) nas quartas Moradas.
a) No Livro da Vida 10, limita-se a constatar seu caso pessoal: “eu tinha começado a sentir às vezes, embora com brevidade, o que passo a relatar. Vinha-me de súbito, na representação interior de estar ao lado de Cristo..., tamanho sentimento da presença de Deus que eu de maneira alguma podia duvidar de que o Senhor estivesse dentro de mim ou que eu estivesse toda mergulhada nele” (10,1). “Acredito ser o que chamam de teologia mística”, acrescentará em seguida. Esse ingresso na contemplação primeiriza da presença de Deus foi preparado por um longo e penoso período de luta: “combatendo, em vez disso, uma sombra da morte, sem que ninguém me desse vida”, afirma sintetizando esse processo (V 8,12). Noite cerrada, que havia culminado no que chamamos “conversão” de Teresa (ib 9). Na realidade foi sua “conversão a Cristo” a que fez de portão de acesso ao oásis da contemplação. O ponto de arrimo descreve-o assim: “Isto não era a modo de visão... a alma fica suspensa de tal modo que parece estar fora de si; a vontade ama, a memória parece estar quase perdida, o intelecto não discorre [“não obra”, havia escrito primeiro], mas, a meu parecer, não se perde; entretanto, repito, também não age, ficando como que espantado com o muito que alcança, porque Deus lhe dá a entender que ele nada compreende daquilo que Sua Majestade lhe representa” (10,1).
Passando do testemunho autobiográfico ao meramente doutrinal, retomará o tema nos capítulos 14-15 do Livro da Vida, onde pontualizará mais detalhadamente as diferenças entre “primeira e segunda água”, ou seja, entre oração ascética, ainda que seja sumamente simplificada (V 13,22), e oração de quietude e gostos “que são as sobrenaturais” (ib 14 tít.).
b) No Caminho, a chegada à contemplação se apresenta como término da “oração de recolhimento”. Sucessão sem continuidade. Já no Livro da Vida apontou a existência desse estádio prévio: “Antes [ou seja, antes do ingresso na “mística teologia”], eu tivera continuamente uma ternura que, em parte, é possível procurar...” (V 10,2). Voltará a apontá-lo no final desse primeiro grau de oração (V 13,22). Agora, no Caminho, exporá extensamente a chamada “oração de recolhimento” (cf c. 28 tií.), e a descreve como uma simples práxis que ultrapassa a simples meditação e que é normalmente acessível a quem a pratica. Com a peculiaridade de preparar o terreno para a recepção da graça de contemplação: “bom fundamento para que, se quiser elevar-nos a grandes coisas, o Senhor encontre em nós disposição” (C 29,8). Essas ‘grandes coisas’ acontecerão a partir da oração de “quietude”, de que tratará em seguida (cc. 30-31) e que será o ingresso na contemplação.
A exposição do Caminho tem intenção pedagógica: é certo que Deus outorga gratuitamente seu dom de “contemplação”. Mas o normal é que o sujeito se encontre preparado. O que exige uma série de doses ascéticas (amor, desapego, humildade, sede da água viva...), e um processo de interiorização da oração, que ela condensa na pequena técnica do recolhimento.
c) Por fim, no Castelo Interior reserva uma sessão das moradas - as quartas - para codificar a etapa de transição, do recolhimento à primeira oração contemplativa: a oração de “quietude”. Desenhá-las-á com o delicado símbolo das fontes: fontes com canais e aquedutos, que transportam a água ao interior do castelo trabalhosamente, a base de esforço humano; e reservatório que mana e verte água desde o mais profundo do castelo e se expande pelas moradas todas silenciosamente, como as águas de Siloé, dilatando o coração (M 4,2,1-5).

3. Os graus da contemplação

Teresa escreve seus textos a partir do alto de sua experiência mística. Daí que o estabelecer graduação ao processo de relação “alma-Deus”, conceda sempre atenção especial às etapas místicas. E que as estas as meça pelo parâmetro da oração contemplativa. As duas exposições mais importantes se encontram no Livro da Vida (a), e em Moradas (b).

a) no Livro da Vida (cc. 14 e ss.) propõe três graus de contemplação infusa. No símil de horto de regar, 2ª, 3ª, e 4ª águas. A saber:
-no primeiro grau de contemplação infusa seria a oração de quietude: infusão de amor. Enlevo da vontade, em que faz de talismã o “Bem de Deus”, sua bondade, amor, beleza, misericórdia... Pequena porta de ingresso no espaço da experiência do divino.
-o segundo grau seria já o ingresso nas formas extáticas, que Teresa chama “sono das potências” (c. 16,2), “embriaguez de amor”, “embriaguez da alma” (V 16,2; 18,13: imagens que abundarão em seguida nos Conceitos 4,3-5; 6,3).
-o terceiro grau seria a ‘união’, não só da vontade humana com a de Deus, mas do pobre espírito humano com o divino. Teresa dirá que, chegada a esse ponto, crescia nela “um grande amor de Deus, que não sabia quem lhe infundia, porque era muito sobrenatural”. “Querendo divertir (=distrair), nunca saía da oração. Mesmo dormindo me parecia que estava nela... Aqui era crescer o amor...” (V 29, 7-8).
b) No Castelo Interior, escrito já em plena maturidade, Teresa proporá outra graduação, ligeiramente diversa, mas mais certeira. As três primeiras moradas assinalarão três momentos da oração meditativa. As três últimas (quintas, sextas e sétimas), três graus de contemplação. Entre aquelas e estas, intercalará as quartas, que proporão uma oração de “quietude” como fase de transição e ingresso no estado de contemplação infusa. E esta última se reverterá em um processo de união com o mistério divino: união inicial da alma com Deus nas quintas moradas; união extática (“Vivo já fora de mim”) nas sextas moradas; e união consumada 
(“Já toda me entreguei e dei”), união em certo modo indissolúvel nas sétimas moradas: “Aqui [neste grau de contemplação] é... como se um pequeno arroio se lançasse no mar, não havendo mais meio de recuperá-lo” (M 7,2,4).

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